quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Três coisas que aprendemos com a viagem do Papa Bento XVI à Alemanha. Imperdível!



John L. Allen Jr-National Catholic Reporter
O Papa Bento XVI terminou, recentemente, uma viagem de quatro dias a Alemanha, que, dependendo de que palavras você usar, gerou uma “aclamação generalizada” (segundo o comentarista italiano Sandro Magister) ou um bocejo nacional (a manchete do jornal diário Sueddeutsche Zeitung, de Munique, foi: “Ele veio, falou, desapontou”).
Essa foi a terceira viagem à terra natal do papa alemão, embora tenha sido a sua primeira visita de Estado e a 21ª viagem ao exterior do seu papado.
Em um nível, é tentador dizer que as coisas foram muito costumeiras. Como de costume, as expectativas de protesto em massa não tiveram êxito. Enquanto alguns milhares de manifestantes tomaram as ruas de Berlim (exibindo cartazes com a frase “Doe um preservativo para o papa”), a maioria dos oponentes de Bento XVI simplesmente não prestaram atenção a ele, enquanto o papa atraiu 320 mil pessoas ao longo dos quatro dias.
Também como de costume, intrépidos repórteres italianos criaram notícias quando o papa não as forneceu. Relatos muito exagerados de uma pistola de ar que foi disparada antes de uma missa papal em Erfurt correram ao longo do sábado, enquanto o domingo foi dedicado para espalhar, e depois desmentir, um boato de que o papa renunciaria aos 85 anos de idade.
Houve poucas surpresas preciosas, embora tenhamos nos lembrado de que Bento XVItem um senso de humor. Durante um discurso ao Parlamento federal, o papa fez referência a um intelectual alemão (Hans Kelsen,) que mudou de ideia com relação a alguma coisa aos seus 80 anos e acrescentou: “Eu acho reconfortante que o pensamento racional ainda seja possível, evidentemente, aos 84 anos de idade”.
Apesar do sabor familiar, em geral, da viagem, houve algumas pepitas ao longo do caminho sobre o papado de Bento XVI e a direção da Igreja sob a sua vigilância. Com isso, então, três coisas que aprendemos com a viagem do papa à Alemanha.
1) Uma sensação como crítico cultural
Pergunta: o que o Collège des Bernardins, em Paris, o Westminster Hall, emLondres, e agora o prédio do Reichstag de Berlim têm em comum? A resposta, em termos papais, é que eles foram os ambientes para os momentos indiscutivelmente mais triunfantes do papado de Bento XVI – ocasiões em que o pontífice cerebral deslumbrou públicos seculares com uma brilhante oratória sobre fé, razão e os fundamentos da sociedade democrática.
Independentemente da opinião pessoal sobre Bento XVI como líder religioso, ele é uma sensação como crítico cultural. Fiel à forma, o seu discurso do dia 22 de setembro ao Bundestag, o parlamento nacional, rapidamente se tornou o candidato mais recente para o “melhor discurso do seu pontificado”.
Dirigindo-se aos legisladores alemães, mas falando na verdade à cultura ocidental em geral, Bento XVI abordou o positivismo lógico – a visão de que só a ciência empírica conta como conhecimento real, e que todas as reivindicações morais são subjetivas. É uma convicção generalizada, disse o papa, mas inadequada como base para uma sociedade justa. Sem a crença em algum tipo de lei natural, argumentou, não há fundamento para os direitos humanos universais. Isso significa que “a humanidade está ameaçada”, porque a única coisa que resta como base para o direito e a política é o desejo selvagem pelo poder.
O passado nazista da Alemanha, disse Bento XVI, oferece uma lembrança angustiante do que acontece quando “o poder se divorcia do direito”.
O papel dos grupos religiosos em uma democracia, sugeriu o papa, não é “propor uma lei revelada ao Estado e à sociedade”, mas sim manter “natureza e razão” como fontes confiáveis para fazer escolhas morais sobre a ordem social – incluindo, frisou, o respeito ao pluralismo e à diversidade.
Nesse campo, Bento XVI pode ser surpreendente, e até mesmo lírico. Perante o Bundestag, a surpresa veio em seu louvor ao movimento ambientalista, que, segundo ele, representa “um grito por ar fresco”,uma percepção de que a natureza contém de fato uma bússola moral (ironicamente, diversos Verdes estavam entre 70 políticos que boicotaram o discurso). A veia poética de Bento XVI, entretanto, se revelou na comparação do positivismo a um “bunker de concreto sem janelas”, que impede a entrada da luz natural da verdade moral e espiritual.
Os meios de comunicação seculares, mesmo aqueles que eram críticos, elogiaram o discurso. A revista Der Spiegel chamou-o de “corajoso” e “brilhante”, enquanto o Bildcitou um proeminente parlamentar que o saudava como uma “obra-prima”. Até mesmo oDie Welt assumiu a contragosto que ele “não era alguém completamente sem astúcia” (em mais uma indicação de que Bento XVI conseguiu se superar, o esquerdista londrinoThe Guardian publicou um longo comentário sobre o discurso, incentivando os ambientalistas seculares a ver além dos seus estereótipos do papa como “um professor alemão puritano e repressor”).
Nesses âmbitos, Bento também ganhou pontos pelo estilo. Ele surge como alguém gracioso e pensativo, um contraste aos ideólogos petulantes que dominam a vida pública. Como George Weigel recentemente afirmou, ele parece ser o “principal adulto do mundo”.
Tudo isso sugere uma nota de encorajamento para os mobilizadores católicos de todas as partes. A controvérsia ronda em torno da Igreja nos dias de hoje, um ponto que Bento XVI reconheceu em outro lugar da Alemanha, dizendo que, às vezes, os escândalos da crise dos abusos sexuais obscureceram o “escândalo” da fé, ou seja, a morte de Cristo na Cruz, sua ressurreição e a vida eterna. No entanto, apesar disso, quando um líder católico tem algo incisivo a dizer e encontra uma forma de dizê-lo que seja oportuna e eficaz, ainda é possível fazer com que as pessoas pensem.
2) O futuro ecumênico: Colaboração, mas não comunhão
O retorno de Bento XVI à terra de Lurero sempre foi destinada a ser examinada pelo seu impacto sobre as relações ecumênicas, especialmente com as Igrejas protestantes da Reforma. Com relação a isso, para dizê-lo de forma polida, Bento XVI recebeu avaliações mistas.
O papa assinalou claramente o seu compromisso ecumênico, presidindo uma celebração com uma bispa luterana no mosteiro de Erfurt, onde Lutero foi ordenado monge agostiniano. O pontífice expressou admiração pela busca apaixonada de Lutero de compreender a misericórdia de Deus, e o arcebispo Robert Zollitsch, presidente da Conferência Episcopal Alemã, chegou a dizer que Bento XVI pediu-lhe para encontrar uma forma para que a Igreja Católica participe nas celebrações do 500º aniversário da Reforma Protestante em 2017 – em todos os sentidos, um toque extremamente irônico de um pontífice romano.
No entanto, Bento XVI não ofereceu qualquer avanço, nem mesmo sinais de flexibilidade, com relação aos pontos contenciosos nas relações católico-luteranas, tais como a intercomunhão ou os casamentos mistos. Para aqueles que acreditam que tais reformas são um pré-requisito para o progresso, portanto, o desempenho deixou muito a desejar.
O erudito Klaus Krämer, por exemplo, escreveu que Bento XVI ainda define “a Igreja Católica como o ‘navio de cruzeiro’, enquanto a Igreja protestante é, na melhor das hipóteses, um ‘navio de carga’, que deve seguir o curso do Vaticano”. O Frankfurter Rundschau foi ainda mais acerbo, chamando a viagem de um “desastre ecumênico” e a abordagem de Bento XVI aos protestantes de “espetacularmente sem inspiração, paternalista e insensível”.
Em um discurso a líderes protestantes em Erfurt, Bento identificou duas prioridades para as relações ecumênicas no século XXI:
  • A “nova geografia do Cristianismo”, pela qual o papa pareceu se referir ao dramático crescimento do cristianismo pentecostal e evangélico em todo o mundo, especialmente no hemisfério Sul. Ele chamou-o de “um cristianismo de baixa densidade institucional, com pouca bagagem racional e ainda menos bagagem dogmática e também com pouca estabilidade” – o que implica que, independentemente das suas diferenças, católicos e luteranos ainda têm mais em comum um com o outro do que, digamos, uma igreja pentecostal brasileira.
  • O secularismo no Ocidente, em que “Deus está sendo cada vez mais expulso da nossa sociedade” e a história da revelação relatada na Escritura é “relegada a um passado que se afasta cada vez mais”. O secularismo põe todos os cristãos no mesmo barco, disse o papa, assim como eles já enfrentaram uma ameaça comum dos nazistas – e, assim como o testemunho dos mártires deram origem ao movimento ecumênico do século XX, disse ele, hoje uma fé comum vivida no mundo secular é “a força ecumênica mais forte que nos recongrega”.
O que pareceu claro da viagem a Alemanha é que Bento XVI considera a colaboração na resposta a esses desafios externos como o futuro de curto prazo do movimento ecumênico – e não, portanto, a unidade estrutural que poderia levar à intercomunhão. A agenda ecumênica em sua visão, em outras palavras, é mais “ad extra” do que “ad intra”.
3) Campo comum em torno da Reforma?
Embora Bento XVI provavelmente não precise disso, sua viagem ofereceu lembretes de que não são só os protestantes que estão reclamando. Inúmeros católicos alemães também estão descontentes. Por exemplo, o presidente do país, um católico divorciado e casado novamente no civil chamado Christian Wulff, disse especificamente ao papa na sexta-feira: “Muitos se perguntam quão misericordiosamente a Igreja trata as pessoas que sofreram rupturas em suas vidas”, e aconselhou a Igreja a se “manter próxima do povo e não se voltar para dentro de si mesma”.
Em Friburgo, dezenas de milhares de jovens católicos realizaram uma vigília durante a noite de sábado, aguardando a missa pontifícia final. Como parte do ato de aquecimento, os organizadores, em um momento, repassaram bastões infláveis verdes e vermelhos e pediram aos jovens para usá-los para responder a uma pesquisa informal, erguendo o bastão verde para dizer “sim” e o vermelho para “não”.
Em resposta à afirmação “Eu moldo a minha vida de acordo com padrões estabelecidos emRoma”, uma vasta onda vermelha se desenrolou entre a multidão. Para “A confissão não tem um grande papel na minha vida”, no entanto, assim como para “As mulheres têm muito pouca responsabilidade na Igreja”, a cor dominante foi verde. O vermelho voltou fortemente quando a questão foi: “A prática da homossexualidade é um pecado?”.
Contra esse pano de fundo, o discurso do dia 25 de setembro de Bento XVI na Freiburg Concert House, falando perante o que foi descrito como um conjunto transversal de católicos “envolvidos na Igreja e na sociedade”, era bastante único nos anais da retórica papal.
De um lado, o papa não mediu palavras sobre as realidades sociais: “Há algumas décadas, experimentamos um declínio na prática religiosa e vimos um número substancial de batizados se afastando da vida da Igreja”, disse ele. Ele, então, fez precisamente a questão que muitos reformadores se fazem: “A Igreja não deve adaptar seus escritórios e estruturas aos dias de hoje, a fim de chegar às pessoas de hoje em dúvida e em busca?”.
Como resposta, Bento XVI disse que mexer nas estruturas eclesiais não é a resposta.
A reforma real, explicou, é interior e espiritual, e não externa e estrutural. Ele citou a Madre Teresa, que uma fez foi perguntada sobre qual seria a primeira coisa a mudar na Igreja. Sua famosa resposta foi: “Você e eu”.
Essa é uma nota familiar, e poderia parecer sugerir um abismo intransponível entre dois modelos de reforma: estrutural e espiritual (o próprio Bento fez alusão à divisão, sugerindo que um agnóstico sincero é preferível a um fiel morno, que vê a Igreja meramente em termos institucionais).
Apesar desse aparente impasse, houve uma reviravolta na visão de renovação de Bento XVI, uma visão que aponta para uma possível interseção entre a reforma espiritual e estrutural: seu entusiasmo para a redução do poder e do privilégio da Igreja.
No discurso na Freiburg Concert House, Bento XVI pediu que a Igreja abrace “a pobreza mundana”, para que o seu “testemunho missionário brilhe com mais intensidade”. Ele chegou até a sugerir que, historicamente, a secularização tem sido um agente de reforma , porque libertou a Igreja de “fardos e privilégios materiais e políticos”.
Como Sandro Magister observou, “nunca antes [Bento] deu tanto destaque ao ideal de uma Igreja pobre em estruturas, em posses, em poder”.
A viagem à Alemanha, em outras palavras, pode ter descoberto uma surpreendente zona de campo comum entre o papa e as forças de reforma – a pressão por uma Igreja humilde, que fale ao mundo mais a partir da pobreza do que do poder.



Fonte: http://www.comshalom.org/blog/carmadelio/26740

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