domingo, 29 de maio de 2011

“New Age”. O velho paganismo com aparência de modernidade, magia e ciência.

Álvaro Farías Díaz, psicólogo pela Universidade do Uruguai “Dámaso A. Larrañaga”, membro da Rede Ibero-americana de Estudo das Seitas (RIES) e diretor do Serviço de Estudo e Assessoria em Seitas do Uruguai (SEAS)
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Poderíamos nos perguntar por que têm tanto êxito filmes como “Harry Potter”, “O Senhor dos Anéis”, ou livros como “O alquimista”… Por que florescem, cada dia mais, as expressões do pensamento imaginário ou mágico? Por que, ainda que a modernidade o considerava moribundo, Deus continua resistindo tão bem? Como evoluíram as religiões históricas, em contato com as novas crenças e as novas formas de espiritualidade marcadas com o selo do individualismo e do pragmatismo? E, no final das contas, como compreender esta exuberância de crenças e práticas que está diante dos nossos olhos, essa religiosidade flutuante, “a la carte”, que se desenvolve dentro da nossa sociedade?
Vemos hoje como os homens e mulheres da nossa cultura, afetados pelos transtornos do humor, são medicados com a mesma gama de medicamentos frente a qualquer coisa. Por um lado, confiam na medicina científica e, por outro, aspiram a uma terapia que, reconhecendo sua identidade, dê lugar à palavra.
Como diz Elisabeth Roudinesco, “assistimos, nas sociedades ocidentais, a um crescimento inacreditável do mundinho dos curandeiros, dos feiticeiros, dos videntes e dos magnetizadores. Frente ao cientificismo erigido em religião e diante das ciências cognitivas, que valorizam o homem-máquina em detrimento do homem desejante, vemos florescer, em contrapartida, toda sorte de práticas, ora surgidas da pré-história do freudismo, ora de uma concepção ocultista do corpo e da mente: magnetismo, sofrologia, naturopatia, iridologia, auriculoterapia, energética transpessoal, sugestologia, mediunidade, etc. Ao contrário do que se poderia supor, essas práticas seduzem mais a classe média – funcionários, profissionais liberais e executivos – do que os meios populares”.
As pseudoterapias Nova Era
O termo “Nova Era” abrange um conglomerado de ideias que torna difícil sua concreção: alguns sustentam que é uma nova forma de enfrentar a vida e de expressá-la, enquanto outros afirmam que é um sincretismo tão grande, que o único que pretende é confundir e recolher o fruto de tal confusão.
Nosso momento atual dista muito de desconhecer o fascínio pelo sagrado, que irrompe por caminhos que pareciam já pouco transitados ou reservados aos marginalizados da religião. Quem se surpreende ainda diante de certos programas de televisão, certos programas de rádio, certos avisos em jornais e revistas nos quais aparecem “ofertas religiosas” misturadas com “ciência”: radiestesia, controle mental, reiki, budismo, meditação transcendental, viagens astrais, Jesus cósmico, igrejas neopentecostais, grupos gnósticos etc.? Mas o que está acontecendo realmente? As tentativas de explicação são variadas.
A Nova Era tem suas raízes na tentativa de encontrar pontos de contato entre ciência e religião, entre a razão e a magia, entre o Oriente e o Ocidente. Pretende-se criar um novo paradigma. Trata-se de uma fuga do tradicional rumo ao alternativo.
É preciso esclarecer o que, na Nova Era, se entende por “Deus”. Deus seria a “energia” que, em um determinado momento, desceu sobre Jesus Cristo, Buda, Maomé, e mais perto na história, sobre o conde Saint Germain. Os adeptos da Nova Era interpretam a crucifixão, ressurreição e ascensão de Jesus Cristo dentro de um contexto esotérico, como um símbolo da libertação da energia crística e sua difusão em forma de gás vivificador do céu novo e da terra nova, manifestação esta que chegará a todo o seu esplendor quando ocorrer o advento da “Nova Era” ou da “Era de Aquário”. O Cristo interior é a “faísca” interior, desprendida da energia ou ou Cristo cósmico. Qualquer um pode chegar a ser “Cristo” e para isso é preciso recorrer às técnicas da Nova Era e, sobretudo, provocar estados alterados de consciência (transes místicos, fenômenos de channeling, etc.), ao mesmo tempo em que é preciso conectar-se com a ecologia, conduto da energia cósmica.
O maior problema com tudo isso é a utilização perversa destas crenças e técnicas. Cada um é livre para pensar e acreditar no que lhe parecer mais oportuno. O ruim é quando, sem aviso prévio, vão lhe introduzindo crenças que não compartilhava em primeira instância, aproveitando circunstâncias pouco éticas através de um processo de manipulação psicológica.
Na maioria destes casos, não há, à frente deste tipo de ofertas terapêuticas, um profissional idôneo, isto é, um psicólogo ou psicoterapeuta formado para o exercício de tal função. Quando há, dão-se fenômenos de intromissão profissional e abuso terapêutico.
A clínica com pacientes que viveram este tipo de experiências e com seus familiares nos mostra que esses “terapeutas” acabam sendo verdadeiros manipuladores, já que, com sua forma de agir, denotam um desconhecimento da ética profissional, transgredindo seus limites; fazem mau uso das técnicas psicoterapêuticas e levam a cabo uma manipulação da relação terapêutica para seu benefício pessoal.
Há muito por fazer. Por tudo o que foi exposto anteriormente, parece-nos suficientemente clara a necessidade e a oportunidade de pesquisar sobre o tema das seitas e grupos manipulativos, assim como sobre os processos sociais e psicológicos da própria manipulação psicológica em todo o mundo.
A ”revolução silenciosa” de Bento XVI, monjas “que dançam” e a Verdade dos fatos.
John L. Allen Jr.- National Catholic Reporter
Uma coisa engraçada aconteceu com a história do recente fechamento de um lendário mosteiro de Roma, ordenado pelo Vaticano, na imprensa de língua inglesa. E digo isso literalmente – a história se transformou em uma piada, obscurecendo assim a sua real importância.
Para aqueles que tem olhos para ver, a supressão da abadia cisterciense na Basílica da Santa Cruz em Jerusalém (foto), um dos sete maiores locais tradicionais de peregrinação em Roma, merece muito mais do que a sua colocação em uma coluna de “notícias bizarras”. Ao contrário, é o capítulo mais recente do que se poderia chamar de “Revolução Silenciosa” sob o Papa Bento XVI, referindo-se a uma reforma da cultura clerical começando por Roma e irradiando-se para muito além.
A sua essência é esta: é o fim da lógica “pelos frutos os conhecereis” que uma vez se traduzia em um passe livre, ou pelo menos em um forte benefício da dúvida, para clérigos superestrelas e grupos de alto perfil acusados de má conduta. Uma vez, a hipótese de trabalho no oficialismo eclesial geralmente era que, se alguém está fazendo um grande bem para a Igreja, então as alegações de impropriedade sexual ou financeira contra eles eram provavelmente falsas, e levá-las muito a sério apresentava o risco de incentivar os inimigos da fé.
Sem grande alarde, Bento XVI deixou claro que, hoje, uma nova regra se aplica. Não importa quão talentosa uma pessoa ou instituição possa ser, se também estiver envolvida no que o pontífice memoravelmente chamou uma vez de “sujeira” na Igreja, eles não estão fora de alcance de serem atingidos pela punição.
Esse é o profundo significado da recente ação do Vaticano com relação aos cistercienses da Basílica da Santa Cruz em Jerusalém, embora você certamente não chegaria a essa conclusão a partir da grande maioria da cobertura midiática em inglês. A manchete da BBC da quinta-feira era típica: “Papa fecha mosteiro das danças eróticas”, dizia, fazendo referência ao fato de que uma ex-dançarina de casa noturna que se tornou freira católica, Anna Nobili, uma vez apresentou na basílica algo chamado de “dança sacra”, diante de um público que incluía dignitários vaticanos.
Na realidade, porém, a basílica dificilmente era uma piada recorrente.
Acima de tudo, os cistercienses estavam na basílica há quase cinco séculos, desde 1561, e, em um período, o Abade da Santa Cruz também foi o Abade Geral de toda a ordem. Dado o fino senso de tradição de Bento XVI, assim como sua reverência pela vida monástica, seria necessário mais do que uma freira dançarina para desencadear a supressão de toda a abadia.
Além disso, até muito recentemente, a basílica era vista, na realidade, como uma grande história de sucesso. O consenso era de que um renascimento se desdobrava sob o abade cisterciense Simone Maria Fioraso, uma influente figura eclesiástica. As vocações eram crescentes, e a basílica se tornou um ponto de encontro para a nobreza italiana, VIPs políticos e ícones da cultura pop.
No outono de 2008, Fioraso fez a sua maior ação bem-sucedida de relações públicas. Ele organizou uma leitura de seis dias de toda a Bíblia, chamada “A Bíblia, dia e noite”, transmitido ao vivo pela TV estatal italiana. A maratona foi lançada por Bento XVI e concluída pelo secretário de Estado do Vaticano, o cardeal italiano Tarcisio Bertone. Uma série de outros potentados vaticanos participaram, junto com celebridades como o ator Roberto Benigni e o ex-presidente da Itália, Carlo Azeglio Ciampi. (Os cardeais norte-americanos William Joseph Levada, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e Daniel DiNardo, de Houston, também participaram. DiNardo estava na cidade para Sínodo sobre a Bíblia, que foi a ocasião para o festival de leitura da Bíblia).
É difícil superestimar a impressão midiática que o evento constituiu na Itália. As manchetes proclamavam: “Santa Cruz em Jerusalém torna-se uma superestrela”.
“Relações inapropriadas”
No entanto, nessa mesma época, começaram a surgir boatos de que algo não estava muito certo. Alguns críticos acusaram Fioraso de parecer mais interessado em adular as elites sociais do que as tradicionais disciplinas da vida monástica, enquanto outros levantavam questões sobre a gestão do dinheiro, especialmente levando em conta que os monges administravam uma loja e um hotel de sucesso, aparentemente sem uma clara contabilidade do fluxos de receita. E, o que é pior, havia rumores de “relações inapropriadas” praticadas por alguns monges, entendendo-se como o código para algum tipo de má conduta sexual.
Tudo isso, antes, podia ser descartado como inveja ou difamação, especialmente dada a reputação de Fioraso como uma estrela em ascensão, mas não desta vez. A Congregação vaticana para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica lançaram uma Visitação Apostólica, que terminou com a dramática decisão de suprimir completamente a abadia e de mandar embora os cerca de 30 monges. O decreto foi assinado pelo arcebispo brasileiro João Braz de Aviz, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, e pelo arcebispo norte-americano Joseph Tobin, seu secretário, e foi aprovado por Bento XVI.
Como é sua prática, o Vaticano não forneceu uma explicação pública. No jargão tipicamente eufemístico, as autoridades dizem apenas que há “inúmeras alegações de conduta incompatível com a vida consagrada”. O ponto principal é que houve problemas reais na abadia, tanto em termos de responsabilidade financeira, quanto de personalidade moral.
Um padrão de conduta para “limpar a casa”
A supressão faz parte de um padrão de Bento XVI, que começou com a repressão contra os clérigos de alto perfil como Gino Burresi, fundador das Servas do Coração Imaculado de Maria, e Marcial Maciel Degollado, fundador dos Legionários de Cristo. Mais recentemente, em setembro de 2008, Bento laicizou um padre muito conhecido de Florença, Lelio Cantini, cuja paróquia Rainha da Paz foi considerada uma das mais dinâmicas do país. No início deste ano, Bento removeu Fernando Karadima permanentemente do ministério, um lendário padre do Chile conhecido como guia espiritual para uma grande parte do clero e do episcopado.
Todos esses casos, e outros como esses que poderiam ser mencionados, centravam-se na acusação de má conduta e abuso sexual.
Também fazem parte desse quadro as medidas políticas de Bento XVI para agilizar os procedimentos para remover os abusadores do sacerdócio, incluindo um recente conjunto de revisões do Direito Canônico, assim como a sua decisão no início deste ano de criar uma nova autoridade de fiscalização financeira, com o poder de supervisionar as entidades uma vez intocáveis como o Banco do Vaticano ou a Propaganda Fide. A impressão geral é que este é um papa cansado de escândalos, fazendo o que pode para limpar a casa.