terça-feira, 25 de outubro de 2016


Comunhão e métodos anticoncepcionais

A contracepção no casamento leva à “contracepção na comunhão”: ambos os sacramentos podem ser profanados e tornar-se igualmente infrutíferos.

Por Robert B. Greving | É um enigma: por que tantos católicos recebem a Eucaristia — que é a fonte de toda graça e o sinal de comunhão com a Igreja Católica — e ainda apoiam e praticam a contracepção, o aborto e relações antinaturais como o "casamento" homossexual, coisas que estão todas em oposição direta com os ensinamentos da Igreja? Como pode existir uma incoerência tão grande?
Essa divisão entre a Comunhão eucarística e os seus frutos na vida pública pode estar acontecendo devido a uma separação, em muitos católicos, da "comunhão" conjugal e dos seus frutos na vida privada, isto é, dentro do casamento. Dizendo de modo mais claro, a contracepção no casamento leva à "contracepção na comunhão": ambos os sacramentos podem ser profanados e tornar-se igualmente infrutíferos.
Em vários lugares Nosso Senhor traça paralelos entre o Matrimônio e o nosso relacionamento com Ele. Sob essa perspectiva, além de ser um sacramento, o casamento existe para mostrar-nos como deveria ser o nosso relacionamento com Jesus: uma relação de abertura e de compromisso exclusivo e total. Se comparamos o que acontece a um casal que faz uso de métodos contraceptivos, com o que acontece a um católico que comunga nessas condições, chegamos a uma conclusão bem interessante.
A participação na Eucaristia através da Comunhão e as relações conjugais existem ambas para ser atos que geram vida, atos fecundos. Ambas envolvem grandes riscos e exigem grande fé das pessoas envolvidas. Em ambas, deve haver uma comunhão de carne (cf. Mc 10, 8; Jo 6, 53s). Conta-se que G. K. Chesterton tinha o momento da Comunhão em tão alta conta, que chegava mesmo a suar quando entrava na fila para comungar.
Santo Tomás de Aquino ensina que, mesmo havendo uma quantidade de graça infinita nos sacramentos, isso não significa que as pessoas recebam uma quantidade infinita de graça. A quantidade de graça que alguém recebe depende da preparação, da disposição, da atenção e da ação de graças com que a pessoa se aproxima do sacramento. Uma disposição essencial que deveria estar presente, tanto no Matrimônio quanto na Comunhão, é a de abertura e de auto-entrega. Trata-se de um ato de fé no esposo que se recebe.
Nosso Senhor faz isso na Eucaristia. Assim como entregou o seu corpo por nós na Cruz, Cristo está entregando o seu corpo a nós na Eucaristia, sem reservas, sem o pedir de volta, querendo, mais do que podemos imaginar, que emerja a Vida desse encontro.
O casal aberto à vida no ato conjugal sabe que está entregando o controle sobre suas vidas. Eles estão fazendo a maior aposta natural que existe. Crianças mudam vidas (para usar uma expressão leve). Elas roubam seus planos, sua agenda, suas metas. Reviram por completo o modo como você lida com o mundo. Tornam você materialmente mais pobre. Nos supermercados e nas festas, rendem-lhe olhares surpresos e talvez até maldosos. Ter mais de 2 filhos nos dias de hoje torna aberta a temporada de comentários sarcásticos e de sobrancelhas arqueadas. O mesmo acontece, porém, com qualquer um que leve uma vida em Cristo.
Ambas as coisas aterrorizam e impõem medo. Mas ambas, também, constituem a nossa maior felicidade.
Nossa oração antes, seja do ato conjugal seja da recepção da comunhão, deveria ser: "Tornai-me aberto, Senhor, para a vida que Vós desejais que venha dessa união."
Mas não é assim com o casal que usa métodos anticoncepcionais. Na melhor das hipóteses, o que eles estão dizendo é: "Eu te amo; eu quero ser um contigo; eu quero dar-me a ti e quero que te dês a mim, mas…". Mas o quê? "Mas eu não quero que venha nada disso. Eu não quero a vida que é fruto natural do ato. Eu quero a aparência de união, mas não o risco. Eu quero o show da entrega e do compromisso, mas não a prova". Em muitos casos, o que está implícito não é "Eu quero dar-me a ti e que te dês a mim", mas sim "Eu quero ser saciado". E isso é o oposto da auto-entrega: é ser calculista.
Outra forma de ver esse problema é a partir do que disse Nosso Senhor: "O que quer que façais ao menor dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes" ( Mt 25, 40). Se isso é verdade em relação ao menor entre nós, como estamos tratando o Senhor presente em nosso cônjuge? Se agimos diretamente para tornar estéril a união conjugal, não estamos tornando estéril também, em certo sentido, nossa união com o Senhor? Católicos que usam contraceptivos e ainda assim recebem a Comunhão podem até amar nosso Senhor e desejar estar com Ele. Trata-se de um amor, todavia, que vem sempre com um "mas". "Mas não o suficiente para obedecer a Ti nos ensinamentos da Tua Igreja; não o suficiente para dar a Ti o controle sobre o meu corpo e sobre os frutos dos meus atos."
Peter Kreeft apontou, em certa ocasião, a zombaria diabólica do mantra abortista, que perverte as palavras de Nosso Senhor quando defende o aborto dizendo: "Esse é o meu corpo". Guardadas as devidas proporções, é isso o que diz um católico que usa anticoncepcionais. A resistência aberta ainda está ali, conscientemente ou não: "Esse é o meu corpo".
Isso se aplica igualmente aos homens. Eles não podem livrar-se da culpa que têm dizendo: "É ela quem quer". Pôncio Pilatos tentou lavar as mãos pela morte de Nosso Senhor usando a mesma desculpa. Não funcionou para ele.
A Igreja é o corpo de Cristo. Os seus ensinamentos são os ensinamentos de Cristo. Se alguém não acredita nisso, então está simplesmente fazendo uma encenação na Missa, um teatro. Como católicos, nós acreditamos que corpo e alma estão verdadeiramente unidos um ao outro, ainda que de modo misterioso. Acreditamos na ressurreição da carne. Usar anticoncepcionais e receber a Comunhão é erguer uma barreira não só ao esposo do seu corpo, mas também ao esposo da sua alma.
Imagine um casal em que a esposa, aberta à vida, descobrisse que o marido, por conta própria e sabendo que contrariava os desejos de sua mulher, tivesse feito uma vasectomia… Quão devastada não se sentiria essa mulher! Pois bem, o mesmo acontece quando um católico que usa anticoncepcionais recebe a Comunhão… Quão ferido fica Nosso Senhor! Ao não receberem toda a graça que poderiam, toda a graça que Ele morreu para nos dar, esses católicos vivem vidas truncadas, divididas, mutiladas. Não surpreende, depois, que as mesmas pessoas não vejam problema nenhum em apoiar — conscientes ou não — o aborto, a perversão do casamento e a destruição da família. Elas tornaram estéreis, afinal, tanto a vida de sua família quanto a sua vida de fé.
A vida da Igreja, física e espiritualmente, depende da fecundidade das famílias católicas. A fecundidade de nossas famílias depende da fecundidade de nossas Comunhões. As duas coisas não podem andar separadas. Como diz Nosso Senhor, "não separe o homem o que Deus uniu".
Fonte: Crisis Magazine | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere

segunda-feira, 7 de março de 2016

O tecnicismo e a crise espiritual de nossa era

Os cristãos devem ser homens de Deus e mostrar à sociedade que só o progresso material não é capaz de salvar a alma humana.


Uma das grandes preocupações dos papas do último século foi alertar a sociedade para o equilíbrio de uma necessária "hierarquia dos valores", a fim de lembrar o homem de sua grande nobreza enquanto "imago Dei — imagem de Deus" (Gn 1, 27) e de sua altíssima vocação para a eternidade.
Era sobretudo o progresso técnico e científico que inquietava o espírito dos Sumos Pontífices. E não porque a Igreja Católica fosse contrária ao desenvolvimento dos povos ou à descoberta de novas ferramentas para integrar os homens. Como ensinou o Concílio Vaticano I, "a Igreja, longe de opor-se ao estudo das artes e das disciplinas humanas, favorece-as e promove-as de muitos modos" [1]. Não existe contradição entre a fé e a razão.
O que se percebia, porém, era que, ao lado da lâmpada, do automóvel e do telefone, a sociedade se afundava em uma grave crise espiritual. Ao mesmo tempo em que eram feitas tantas invenções e descobertas importantes, havia uma filosofia anunciando que Deus tinha morrido e que o homem devia procurar não mais a santidade de uma vida justa, mas a frivolidade de uma existência cheia de prazeres e satisfações mundanas.
O Papa Leão XIII, ainda em 1890, notou a discrepância entre o desenvolvimento material e o espiritual das nações. Em uma de suas encíclicas, ele reconheceu um relativo "progresso nas comodidades corporais e extrínsecas", mas alertou: "Toda essa natureza sensível, a abundância de meios, as forças e as riquezas, se podem gerar comodidades e aumentar a serenidade da vida, não poderão nunca satisfazer a nossa alma, criada para coisas mais altas e com mais gloriosos destinos". Mostrando como os "bens da alma" se obscureciam cada vez mais entre os homens, sua advertência se revestiu de caráter profético: "Assaz catástrofes nos apresentou já o século em que vamos, e quem sabe as que estão ainda por vir!" [2]. Era como se ele pudesse antever as tragédias e as calamidades que atravessariam praticamente todo o século XX.
Mesmo depois de tanta destruição — seja em consequência das duas grandes guerras mundiais, seja pela ascensão do perverso totalitarismo —, os apelos da Igreja à conversão da humanidade não cessaram; ao contrário, intensificaram-se ainda mais. A Igreja tinha consciência que, mais que recuperar os países devastados pela guerra, era preciso resgatar o homem do profundo abismo existencial no qual se tinha lançado. Como apontou com precisão o Papa Pio XII, a era técnica estava levando "a cabo sua monstruosa obra de transformar o homem em um gigante do mundo físico, em detrimento de seu espírito, reduzido a pigmeu do mundo sobrenatural e eterno" [3].
A exortação de seu sucessor, o Papa São João XXIII era que se devia reconhecer uma justa "hierarquia dos valores". A televisão, o celular, o computador e a Internet, bem como os inúmeros avanços científicos logrados nos últimos anos "constituem sem dúvida elementos positivos" de nossa civilização, porém "não são, nem podem ser, valores supremos; em comparação destes, revestem essencialmente um caráter instrumental" [4].
Reconhecer a natureza instrumental de nosso progresso material significa dizer que só quando o homem olha para o Céu pode edificar nesta terra "uma cidade fiável", como indica o Papa Francisco, na encíclica Lumen Fidei. Para isso, os cristãos precisam oferecer o seu testemunho, demonstrando com as próprias vidas que gozam dos bens terrestres vislumbrando os dons celestes. Mais do que qualquer coisa, o cristão católico deve ser um homem de oração. Permanecendo em constante diálogo com o Senhor, poderá conservar dentro de si a graça divina, o desejo de fazer sempre a Sua vontade e de irradiar a Palavra de Deus às outras pessoas.
Onde a sociedade se esquece desta Palavra, com efeito, não há progresso algum, não há sequer verdadeira civilização. O homem é unidade de corpo e alma — corpore et anima unus — e esta tende inevitavelmente para o Senhor, longe do qual encontrará apenas trevas. Ecoam fortes no decorrer dos séculos as palavras de Jesus: "Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?" (Mt 16, 26).
Por Equipe Christo Nihil Praeponere

Referências

  1. Concílio Vaticano I, Constituição Dogmática Dei Filius (24 de abril de 1870), IV: DH 3019.
  2. Papa Leão XIII, Carta Encíclica Sapientiae Christianae (10 de janeiro de 1890), n. 1.
  3. Papa Pio XII, Radiomensagem de Natal (24 de dezembro de 1953), n. 9.
  4. Papa João XXIII, Carta Encíclica Mater et Magistra (15 de maio de 1961), n. 174.