O cristianismo foi um motor propulsor da autêntica liberdade da mulher, afirma Lucetta Scaraffia, uma das mais conhecidas estudiosas do movimento feminista, professora de História na Universidade «La Sapienza» de Roma, nesta entrevista concedida a Zenit.
--Por que há correntes do movimento feminista que vêem sua relação com Igreja como um conflito irredutível?–Lucetta Sacaraffia: Ainda quando a investigação histórica demonstrou que o cristianismo sempre mostrou um respeito e uma atenção às mulheres ignoradas nas demais tradições culturais, persiste a convicção de que a Igreja católica é desde sempre «inimiga das mulheres». Na realidade, se se vê desde a teologia ou desde a normativa eclesiástica à história social, a valorização da relação entre mulheres e Igreja se apresenta bem diferente.
A verdadeira inovação que trouxe o cristianismo foi a eleição da castidade como caminho espiritual, porque ela permitiu às mulheres evitar seu destino biológico. Pela primeira vez, de fato, a castidade se propôs como caminho espiritual a mulheres e homens: tratava-se de uma ideia revolucionária na medida em que permitia um acesso democrático, aberto então também a analfabetos e mulheres, para a evolução espiritual, para alguns até a santidade.
Para as mulheres, enfim, esta possibilidade de evitar seu próprio destino biológico constituiu uma nova possibilidade de seguir um caminho de crescimento espiritual e no mínimo também intelectual até então negado.
A igualdade espiritual entre mulheres e homens, pelo mais, foi sempre mantida pela tradição cristã, também na separação dos roles e na consideração das mulheres como seres socialmente inferiores que caracterizaram as culturas antigas: as virtudes heroicas necessárias para certificar a santidade de um ser humano, de fato, são as mesmas para as mulheres e para os homens, ainda que se realizem papéis diferentes. E o reconhecimento da dignidade humana e espiritual das mulheres conformou sempre o pensamento da Igreja sobre a família.
–Historicamente, o feminismo nasce simultaneamente com o movimento do controle de natalidade.
–Lucetta Scaraffia: Isso mesmo! O controle da natalidade se une desde o princípio a duas correntes de pensamento: a emancipação feminina e o ateísmo, isto é, a rejeição para reconhecer a vontade de Deus na criação dos seres humanos, de onde deriva, a tentação eugenésica de intervir para melhorar a humanidade com «instrumentos científicos»
Os movimentos neomalthusianos ingleses, de fato, estão intimamente ligados; com freqüência trata-se dos mesmos líderes, como Charles Bradlaugh com os movimentos de «livre pensamento», destinados a arrancar as raízes religiosas da sociedade –vistas como fonte de reclusão e obscurantismo–, e ao mesmo tempo com cientistas como Francis Galton que transportam o evolucionismo darwiniano sobre os seres humanos.
A seleção eugenésica que se esconde detrás do controle da natalidade se propõe portanto como uma intervenção legítima que os cientistas devem aplicar à sociedade para acelerar o processo natural de seleção.
As raízes dos movimentos para o controle da natalidade, que consideram a queda dos nascimentos e a liberdade de abortar como sinais positivos da modernidade de um país, estão assim ligados à secularização por um lado e à emancipação da mulher por outro, e este enlace originário segue caracterizando-os também hoje.
–Como reagiu a Igreja frente às limitações da procriação?
–Lucetta Scaraffia: A força profética da discutida encíclica «Humanae vitae» (1968) de Paulo VI espera ainda ser reconhecida até por alguns setores da própria Igreja.
Com efeito, não se trata somente de uma proibição, mas da identificação nos meios de controle da natalidade de um perigo preciso: o da introdução de meios artificiais em um processo natural de primordial importância –o que garante a continuidade da vida– segundo um processo que se poderia estender até chegar a um controle total da reprodução humana por parte das tecnologias.
Hoje vemos que precisamente isto é o que se está levando adiante: intervindo com métodos científicos que cada vez são mais poderosos e sofisticados, abre-se a porta a monstruosidades como a clonagem ou a máquina que substitui o ventre materno da gravidez.
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