20.09.2013 -
Temos a honra de apresentar o sermão proferido pelo Reverendíssimo Padre Anderson Batista da Silva na paróquia de San Juan Bautista, em El Paso, Texas, EUA, no Oitavo Domingo depois de Pentecostes - 18 de julho de 2010, por ocasião do centenário da atualíssima Carta Encíclica Notre Charge Apostolique, de São Pio X, acerca dos erros do movimento Sillon. Trata-se de uma transcrição literal para auxiliar a compreensão do vídeo, sem revisão do autor e na qual o estilo oral é mantido. Agradecemos a uma uma generosa alma o trabalho de tradução e transcrição.
Neste ano comemoramos o centenário de um documento do papa São Pio X de uma grande importância. O documento se chama Nostre Charge Apostolique, uma carta que o Santo Padre escreveu, em 25 de agosto de 1910, no dia de São Luiz Rei de França, aos bispos franceses. E de que falava aquela carta? Falava de um movimento católico chamado Sillon, que começou elogiado pelo papa, começou a atrair muitos católicos, mas que terminou por desvirtuar-se. O Santo Padre e os bispos começaram a chamar a atenção para a correção, mas o Sillon não quis atender à chamada de correção do Santo Padre e continuou com as suas doutrinas. Então, São Pio X, com a santidade e a força que sempre tinha, escreveu esse documento refutando os erros do Sillon e falando da verdadeira ação dos cristãos no mundo.
Nosso Senhor no Evangelho de hoje disse que os filhos das Trevas são mais sagazes em seus negócios do que os filhos da Luz.
São Pio X fala disso e nos ensina como sermos sagazes. Qual é o fim de nosso apostolado? O papa começa assim o seu documento:
“Nosso cargo apostólico nos impõe a obrigação de zelar pela pureza da fé, pela integridade da disciplina católica e de preservar os fiéis dos perigos do erro e do mal, principalmente quando o erro e o mal se apresentam com uma linguagem atraente que, encobrindo a ambiguidade das ideias e o equívoco das expressões com o ardor do sentimento e a sonoridade das palavras, pode inflamar os corações no amor de coisas sedutoras, mas funestas.”
Aqui termina a citação do Santo Padre.
É interessante que o Santo Padre fala no início qual é o encargo dos pastores e bispos. Qual é o seu primeiro encargo, como pastor supremo da Igreja, qual é o encargo dos próprios pastores da Igreja?
Em primeiro lugar, zelar pela pureza da fé.
Os pastores em primeiro lugar devem zelar pela pureza da fé, pela integridade da disciplina católica e preservar os fiéis do perigo do erro e do mal.
Hoje em dia, infelizmente, parece que o tema da liberdade, da solidariedade, da imigração, da água, da reforma agrária e da economia chama mais a atenção dos pastores do que zelar pela pureza da fé, pela integridade da disciplina católica e pela preservação dos fiéis dos perigos do erro e do mal.
“Há perigos, há perigos para os fiéis” e São Pio X disse isso há cem anos. O que diria se ele estivesse aqui hoje conosco?
Mas São Pio X disse: “principalmente quando esse perigo e esse erro se apresentam em linguagem atraente”. O erro é mais perigoso quando se apresenta com linguagem atraente. É óbvio! O veneno se coloca na parte mais gostosa do bolo. O veneno muitas vezes tem essa apresentação atraente, cobrindo a ambiguidade das ideias. Os erros e as heresias sempre são contraditórios, mas cobrem a ambiguidade das ideias com essas palavras atraentes, e a sonoridade das palavras – bonitas para serem ditas e escutadas. São Pio X disse que podem inflamar os corações; [quem] escutar a doutrina errônea, com esse equívoco, se põe como que com os corações inflamados. E é esta a verdade, mas inflamar os corações no amor de coisas sedutoras, mas funestas.
As questões sobrenaturais são as que estão a cargo dos pastores. Qual é o fim da Igreja? A Igreja não é um Greenpeace. Não é uma ONG que tem que tratar da política e das coisas da sociedade. A Igreja é o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo e seu fim é dar glória e Deus e salvar as almas. Então, quais são os deveres dos pastores da Igreja? Cuidar da ortodoxia da Fé, cuidar do ensino reto da moral, zelar por uma esmerada celebração eucarística, cuidar da vida espiritual das almas. Mas, infelizmente, não é o que comumente vemos.
O Santo Padre, o Papa Bento XVI, reuniu os bispos do Sul do Brasil, minha nação, ao final do ano passado, e disse essas palavras: “Os fiéis se sentem defraudados e desiludidos” quando veem seus pastores cederem, falando de temas como a igualdade, a liberdade, a economia, a imigração e etc., mas deixam de falar de temas sobrenaturais e de verdades fundamentais da fé, “como o pecado, a graça, a vida teologal — de fé, esperança e caridade –, dos novíssimos” — da morte, do juízo e do inferno e do paraíso.
Infelizmente, a tentativa de fazer de Nosso Senhor Jesus Cristo um messias político, libertador e da Igreja um simples instrumento para realizar, na história, sua utopia, está muito difundida.
Muitos pensam na Igreja como uma instituição para ajudar a viver bem aqui na Terra, para viver bem aqui, para se sentir muito à vontade aqui, mas jamais para o Céu. Para lá a porta é estreita e larga a porta que leva à perdição. [Evita-se] falar do pecado que leva à morte, falar do juízo de Deus, ou seja, que ao final da vida, como disse São João da Cruz, seremos julgados pelo amor, seremos julgados por tudo o que fizermos.
Hoje em dia, a confusão é tão grande que a podemos notar em muitos círculos, em muitos lugares. Aqui me lembro de um slogan de um instituto de formação cristã, católico, próximo daqui que dizia que lá se preparava a Igreja do futuro e que lá se ensinava um cristianismo adulto, onde não se pregava o Evangelho, se vivia o Evangelho. Que confusão de ideias! Que confusão! Eles têm um cristianismo adulto. O que a Igreja ensinou durante 2000 anos talvez, para eles, seja coisa de crianças.
Porém, talvez eles também tenham esquecido do que Nosso Senhor disse no Evangelho de hoje: “Às crianças pertence o Reino dos Céus[...]”
Eles diziam: “Aqui não se prega o Evangelho, se vive”, como se a Igreja nunca tivesse vivido o Evangelho, como se agora se descobrisse uma vivência nova, um vinho novo …
A confusão também se estende quando olhamos a abertura que se tem em relação a todos, a caridade para com todos, a abertura, o amor…
Se eu vou a uma igreja protestante e lá rezo com eles, dirão: “Vejam! Vejam! Como o padre é ecumênico! Que bom!”.
Se estou com os muçulmanos, dizem: “Vejam! Como ele dialoga com as religiões, que bom! Porque Deus está em todos os lugares.”
Se estou com os maçons, dizem: “Vejam! O padre é aberto ao mundo, dialoga com todos!”
Porém, se eu me chego perto da Fraternidade São Pio X, dizem: “Ó! Excomungado! Cismático!” Que errado!
Há algo errado com o pensamento dessas pessoas.
Se estou com o mundo, com as outras religiões, e dialogo, [as pessoas dizem]: “Ele é um homem de diálogo, está com todos, aberto a todos.”
Mas se assumo a Tradição e amo esta Missa que estou celebrando — a missa que os santos celebraram por séculos e séculos da Igreja –, sou rechaçado como um louco, um fanático, um fundamentalista, um excomungado, um cismático.
Porém, esses adjetivos não aparecem em relação aos muçulmanos, que não creem em Nosso Senhor Jesus Cristo; aos maçons, que rejeitam a Igreja; aos protestantes, que não aceitam a Nossa Santíssima Mãe, [nem] a presença eucarística de Nosso Senhor.
Para eles não! Excomunhão não, caridade!
Diz São Pio X que o erro se apresenta como algo bom. O Sillon, este movimento que São Pio X condena em sua encíclica Notre Charge Apostolique, tentava ser uma atuação política e social dos católicos na vida social e política, mas sem relação com a fé. O que é um absurdo, porque é impossível falar da realidade sem falar de Deus. É impossível querer construir um mundo sem Deus.
Já tentaram fazê-lo – Babel. A cidade construída contra Deus e sem Deus é um absurdo. O pensamento liberal [é o] de querer ser católico, mas que, ao entrar nas universidades, nos escritórios ou no congresso, retira como a um chapéu a fé católica. Mas ao tratar de leis, de ensinos, de comunicações, da política, da sociedade, não, nada da Palavra de Deus nem da fé.
É tão impossível referir-se à realidade fazendo abstração de Deus como é impossível ver sem a luz.
Disse São Pio X em sua Encíclica: “Eles, do Sillon, formaram um conceito especial da dignidade humana, da liberdade, da justiça e da fraternidade e, para justificar os seus sonhos sociais, apelam ao Evangelho interpretado a sua própria maneira e, o que é mais grave, a um Cristo desfigurado e diminuído”.
De modo que eles teriam o Evangelho verdadeiro. A Igreja, não. Eles é que conheceriam como era Nosso Senhor, mas a Igreja não.
E, por tudo isso, há que se fazer muitas coisas. Deve-se mudar a missa, porque a missa é uma ceia; [dizem:] Nosso Senhor celebrava desta maneira, com todos sentados na sala de jantar… Como se a Igreja estivesse equivocada por vinte séculos.
Continua São Pio X: “Bem sabemos que se jactam de levantar a dignidade humana e a condição, há muito menosprezada, das classes trabalhadoras [...] seu sonho consiste em trocar as bases naturais e tradicionais e prometer uma cidade futura edificada sobre outros princípios, que ousam declarar mais fecundos, mais benfazejos do que os princípios sobre os quais repousa a atual sociedade cristã”.
Eles – diz São Pio X – ensinam que a doutrina tradicional da Igreja não se equipara a sua versão da fé, porque eles irão construir um mundo novo. Um novus ordo. Umnovus ordo saeculorum. Um novo mundo… sem Deus, sem a Igreja, sem a Graça dos Sacramentos.
Com firmeza, responde São Pio X: “Não, Veneráveis Irmãos – e é preciso reconhecer energicamente nestes tempos de anarquia social e intelectual – a cidade não será construída de outra forma senão aquela pela qual Deus a construiu; a sociedade não se edificará se a Igreja não lhe lançar as bases e não dirigir os trabalhos; não, a civilização não mais está para ser inventada nem a cidade nova para ser construída nas nuvens. Ela existiu e existe; é a civilização cristã, é a cidade católica. Trata-se apenas de instaurá-la e restaurá-la sem cessar sobre seus fundamentos naturais e divinos contra os ataques sempre renovados da utopia malsã, da rebeldia e da impiedade: omnia instaurare in Christo”.
Tudo restaurar em Nosso Senhor Jesus Cristo. Este era o lema pontifício de São Pio X. Que podemos concluir dessas palavras? Em primeiro lugar, é muito interessante notar: São Pio X disse que em sua época, ou seja, há um século, havia uma anarquia social e intelectual. Que diria ele se visse o que ocorre hoje com a Santa Igreja de Deus, em toda parte?
O papa Bento XVI disse, ano passado, dia 09 de Janeiro, em uma carta aos Bispos: a fé está, em muitas partes da Terra, como a chama de uma vela – a ponto de apagar-se.
Creio que São Pio X não diria, como outros disseram, que as alegrias e as esperanças do mundo moderno são as mesmas alegrias e esperanças da Igreja. Não! Porque a alegria do mundo é a alegria do pecado, é a alegria do carnaval, é a alegria de uma festa que se esquece de Deus, é a alegria das virgens néscias que se olvidam de colocar o azeite em suas lâmpadas.
E as esperanças do mundo moderno são as de um mundo novo sem Deus, sem necessidade da Igreja – aqui mesmo estaria o Céu.
Nossas alegrias e nossas esperanças são sobrenaturais; as alegrias que temos vêm da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. E nossa esperança é o Céu e não a terra.
São Pio X também recorda que o modelo de civilização não está para ser inventado; não há que se construir um novus ordo saeculorum como quer a Maçonaria, mas se deve restaurar a civilização cristã.
E, que civilização é esta? A civilização [é aquela] que tem a Igreja Católica como sua alma; a mesma civilização que fez surgir a universidade, o hospital, grandes obras de arte e arquitetura; viu surgir a caridade e viu homens e mulheres dar toda sua vida somente para a glória de Deus. A civilização que fez surgir uma das obras arquitetônicas mais belas, se não a mais bela da história da humanidade: a Catedral Gótica, apontando ao Céu e dando Glória a Deus pela perfeição da pedra trabalhada e pelo vitral, que fazia com que o homem pudesse olhar para o sol; sinal da própria Igreja que nos permite olhar para Deus ao olhar para Ela.
Mas São Pio X também recorda que “há ataques sempre renovados da utopia malsã, da rebeldia e da impiedade”. Sempre há novos ataques a esta Civilização Cristã.
Pio XII, certa vez, falou-nos de três ataques à Civilização Cristã; e a partir deles podemos falar, talvez, de um quarto ataque.
O primeiro ataque à Civilização Cristã foi o grito, no século XVI, “Cristo Sim, a Igreja Não!”. O protestantismo: não necessito da Igreja para ter fé em Cristo. Não necessito da Igreja, não necessito do Papa, não necessito dos sacerdotes para perdoar os pecados, não necessito dos sacerdotes para celebrar a missa [é o que eles dizem].
O segundo grande ataque veio com a Revolução Francesa e o ideal maçônico: “Deus sim, Cristo Não!”; todas as religiões seriam boas porque, no fundo, nenhuma delas poderia falar de Deus verdadeiramente. Deus não poderia revelar-se; Deus seria um grande arquiteto do Universo ou um grande relojoeiro. Não haveria religião verdadeira, mas uma vaga ideia de Deus.
Depois, o ateísmo do século XIX, com sua força no comunismo, dizia: “Deus morreu. O homem é Deus!”.
Durante o século vinte, vimos, também, surgir uma confusão ainda maior: o homem já não é [exclusivamente] Deus. O panteísmo, a New Age e tantas coisas mais têm dito: a natureza é Deus; o homem é um a mais na natureza.
Meus irmãos, este pensamento, infelizmente, não está somente fora do recinto da Igreja. A fumaça de Satanás entrou na Igreja. Não é assim? Não vemos, hoje, católicos dizer como os protestantes: “Cristo Sim, a Igreja Não!”? “Não necessito do padre para [receber] os sacramentos. Todos somos sacerdotes, iguais. Eu irei diretamente a Deus”. E há a desobediência às leis litúrgicas, canônicas, à fé, à moral: eu e Cristo, muitos católicos dizem.
Mas, também, quantos católicos não dizem: todas as religiões são boas e nos salvaremos todos? É a mentalidade maçônica.
Mas também a mentalidade comunista, a teologia da libertação e todos os similares que tentam harmonizar o Evangelho com Marx: o “Cristianismo adulto”.
Quantos católicos confusos com esta revolução cultural em que vivemos. [Eles] dizem: sou católico, mas a favor do aborto ou, como vocês viram mais recentemente, pessoas muito bem doutoradas em teologia a favor das uniões homossexuais.
Omnia instaurare in Christo, diz São Pio X. Quero terminar já e, infelizmente, não poderei ler o restante, porque já passou muito tempo.
Nesta viagem aos Estados Unidos e a El Paso, eu pude estar na primeira igreja dedicada ao Sagrado Coração de Jesus no país, em Pensilvânia; é uma Basílica do Sagrado Coração de Jesus. E lá pedi uma Graça a Deus: a graça a Bento XVI ou a seu sucessor… Eu estou pedindo ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria a graça – e creio que todos devemos pedi-la – de um novo São Pio X para a Igreja. Um Papa santo e forte o suficiente para fazer tremer os inimigos fora da Igreja e expulsar – ou corrigir – os inimigos que estão dentro dela. Os lobos em pele de cordeiro que estão no recinto sagrado fazendo sofrer o Coração Sacratíssimo de Nosso Senhor.
Esta, creio, é a nossa missão e a de todos os cristãos: rezar, rezar e rezar. Lutar contra o demônio, o mundo e a carne, contra as tentações, e submetermo-nos aos ensinamentos perenes do magistério da Igreja. Pedir ajuda a Deus e a sua Mãe Santíssima: a ela, possam nossos pensamentos e nossos corações. E agora também, a seus pés, aprendermos a dizer — e repito o pensamento de um santo sacerdote que me ajudou muito: “Tenho na mente, nos lábios e no coração uma só jaculatória: Roma, Roma, Roma”.
Peçamos ao Coração Imaculado de Maria que a Igreja saia logo desta crise e muitas almas se salvem, que nós nos salvemos – não nos consideremos melhores que ninguém, porque é uma graça imerecida estar aqui hoje. E como os Cristeros, quero terminar este sermão com o maior louvor que uma alma pecadora e pequena pode dizer diante do mundo que persegue a Deus e a sua Igreja: Viva Cristo Rei! Amém. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Fonte: http://fratresinunum.com/ - Divulgação: www.rainhamaria.com.br