O Globo – RIO – Arcebispo emérito da Paraíba e bispos eméritos de Goiás e São Félix do Araguaia (MT), Dom José Maria Pires, Dom Tomás Balduino e Dom Pedro Casaldáliga, respectivamente,
enviaram uma carta a todos os bispos do país conclamando ao diálogo, e pedindo que os princípios do Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII e levado à frente pelo Papa Paulo VI, sejam retomados pela Igreja Católica.
— A primeira geração que teve contato com o Concílio tentou segui-lo com muito ardor. Gostaríamos de retomar esse ardor, essa capacidade de nos ajustar à realidade das pessoas, de estar mais perto do povo, seja rico ou pobre — diz Dom José Maria Pires: — À época do Concílio, os bispos deixaram os palácios e foram viver em casas. Quando viajavam, eles deixaram de ficar hospedados na melhores casas e passaram a se aproximar mais das pessoas. Queremos que o diálogo sobre essas questões seja retomado e que, na Igreja, as pessoas sintam que não há distinção entre elas.
Carta relembra Papa Francisco
A carta, escrita em 15 de agosto, diz que a eleição do Papa Francisco foi motivo de alegria e lembra seus pedidos de mais simplicidade: “Alegrou-nos muito a eleição do Papa Francisco no pastoreio da Igreja, pelas suas mensagens de renovação e conversão, com seus seguidos apelos a uma maior simplicidade evangélica e maior zelo de amor pastoral por toda a Igreja”. Diz ainda que a vinda do Papa ao Brasil, durante a Jornada Mundial da Juventude, e suas palavras aos jovens e aos bispos os fez lembrar do Pacto das Catacumbas.
— O Pacto das Catacumbas foi feito por bispos progressistas de todo o mundo e deixava claro como eles deveriam levar o Concílio à prática. No entanto, Paulo VI foi boicotado pela Cúria Romana. João Paulo II assumiu como Papa e foi ficando cada vez mais conservador, ainda que tenha assinado o pacto quando era bispo. Depois, tivemos Bento XVI e agora, com o Papa Francisco, existe a possibilidade que o Concílio seja colocado em prática — explica Frei Betto, que diz ainda que, com o passar dos anos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi se afastando dos mais pobres e dos que não tinham voz: — Agora, com a carta assinada por esses três homens que dedicaram a vida à Igreja, que são mártires vivos,e que vão ao encontro do que o Papa Francisco tem falado, acredito que o diálogo possa ser retomado.
A carta relembra ainda o que o Papa Francisco disse no Rio: “O Papa Francisco ao dirigir-se aos jovens na Jornada Mundial e ao dar-lhes apoio nas suas mobilizações, assim se expressou: ‘Quero que a Igreja saia às ruas”. Isso faz eco à entusiástica palavra do apóstolo Paulo aos Romanos: “É hora de despertar, é hora e de vestir as armas da luz” (13,11)’. Seja essa a nossa mística e nosso mais profundo amor.”
— As novas gerações se afastaram do que era proposto pelo Concílio. Mas nossa grande força agora é o estilo do Papa Francisco, que quer uma Igreja cada vez mais perto do povo — diz Dom José Maria Pires, que já recebeu duas cartas de bispos interessados em repassar o que ele e os outros dois bispos escreveram para todos os padres de suas arquidioceses:
— A carta foi feita para isso, para que todos possam refletir, para provocar uma reflexão. Nós perdemos a capacidade de nos ajustarmos (à realidade de todos), mas agora podemos ter uma integração maior com as pessoas. O começo dessa mudança foi a eleição do Papa Francisco. Então, nós nos sentimos na obrigação de apoiá-lo.
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Fratres in Unum está em condições de afirmar que a carta, cuja íntegra segue abaixo, foi distribuída também por e-mail, ao menos a alguns bispos do Brasil, através do garoto de recados secretário-geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, futuro arcebispo de Porto Alegre — que acumula, assim, mais um feito para seu enorme currículo de bizarrices e desserviços à Igreja na Terra de Santa Cruz.
Das múmias das catacumbas, recorde-se: que Dom Steiner (a 14 anos de se aposentar) foi o primeiro sucessor de Casaldáliga (85 anos) na prelazia de São Felix do Araguaia; que Dom José Maria Pires (94 anos) esteve presente no congresso herético-libertário da Unisinos no ano passado (de clergyman — nessas horas eles se valem de sua apresentação clerical); e que Dom Tomás Balduíno (90 anos) foi condecorado, juntamente com Boff e Casaldáliga, pelo governo federal petista no ano passado.
Queridos irmãos no episcopado,
Somos três bispos eméritos que, de acordo com o ensinamento do Concílio Vaticano II, apesar de não sermos mais pastores de uma Igreja local, somos sempre participantes do Colégio episcopal, e junto com o Papa, nos sentimos responsáveis pela comunhão universal da Igreja Católica.
Alegrou-nos muito a eleição do Papa Francisco no pastoreio da Igreja, pelas suas mensagens de renovação e conversão, com seus seguidos apelos a uma maior simplicidade evangélica e maior zelo de amor pastoral por toda a Igreja. Tocou-nos também a sua recente visita ao Brasil, particularmente suas palavras aos jovens e aos bispos. Isso até nos trouxe a memória do histórico Pacto das Catacumbas.
Será que nós bispos nos damos conta do que, teologicamente, significa esse novo horizonte eclesial? No Brasil, em uma entrevista, o Papa recordou a famosa máxima medieval: “Ecclesia semper renovanda”.
Por pensar nessa nossa responsabilidade como bispos da Igreja Católica, nos permitimos esse gesto de confiança de lhes escrever essas reflexões, com um pedido fraterno para que desenvolvamos um maior diálogo a respeito.
1. A Teologia do Vaticano II sobre o ministério episcopal
O Decreto Christus Dominus dedica o 2º capítulo à relação entre bispo e Igreja Particular. Cada Diocese é apresentada como “porção do Povo de Deus” (não é mais apenas um território) e afirma que, “em cada Igreja local está e opera verdadeiramente a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica” (CD 11), pois toda Igreja local não é apenas um pedaço de Igreja ou filial do Vaticano, mas é verdadeiramente Igreja de Cristo e, assim a designa o Novo Testamento (LG 22). “Cada Igreja local é congregada pelo Espírito Santo, por meio do Evangelho, tem sua consistência própria no serviço da caridade, isto é, na missão de transformar o mundo e testemunhar o Reino de Deus. Essa missão é expressa na Eucaristia e nos sacramentos. Isso é vivido na comunhão com seu pastor, o bispo”.
Essa teologia situa o bispo não acima ou fora de sua Igreja, mas como cristão inserido no rebanho e com um ministério de serviço a seus irmãos. É a partir dessa inserção que cada bispo, local ou emérito, assim como os auxiliares e os que trabalham em funções pastorais sem dioceses,todos, enquanto portadores do dom recebido de Deus na ordenação são membros do Colégio Episcopal e responsáveis pela catolicidade da Igreja.
2. A sinodalidade necessária no século XXI
A organização do papado como estrutura monárquica centralizada foi instituída a partir do pontificado de Gregório VII, em 1078. Durante o 1º milênio do Cristianismo, o primado do bispo de Roma estava organizado de forma mais colegial e a Igreja toda era mais sinodal.
O Concílio Vaticano II orientou a Igreja para a compreensão do episcopado como um ministério colegial. Essa inovação encontrou, durante o Concílio, a oposição de uma minoria inconformada. O assunto, na verdade, não foi suficientemente amarrado. Além disso, o Código de Direito Canônico, de 1983 e os documentos emanados pelo Vaticano, a partir de então, não priorizaram a colegialidade, mas restringiram a sua compreensão e criaram barreiras ao seu exercício. Isso foi em prol da centralização e crescente poder da Cúria romana, em detrimento das Conferências nacionais e continentais e do próprio Sínodo dos bispos, este de caráter apenas consultivo e não deliberativo, sendo que tais organismos detêm, junto com o Bispo de Roma, o supremo e pleno poder em relação à Igreja inteira.
Agora, o Papa Francisco parece desejar restituir às estruturas da Igreja Católica e a cada uma de nossas dioceses uma organização mais sinodal e de comunhão colegiada. Nessa orientação, ele constituiu uma comissão de cardeais de todos os continentes para estudar uma possível reforma da Cúria Romana. Entretanto, para dar passos concretos e eficientes nesse caminho – e que já está acontecendo – ele precisa da nossa participação ativa e consciente. Devemos fazer isso como forma de compreender a própria função de bispos, não como meros conselheiros e auxiliares do papa, que o ajudam à medida que ele pede ou deseja e sim como pastores, encarregados com o papa de zelar pela comunhão universal e o cuidado de todas as Igrejas.
3. O cinquentenário do Concílio
Nesse momento histórico, que coincide também com o cinqüentenário do Concílio Vaticano II, a primeira contribuição que podemos dar à Igreja é assumir nossa missão de pastores que exercem o sacerdócio do Novo Testamento, não como sacerdotes da antiga lei e sim, como profetas. Isso nos obriga colaborar efetivamente com o bispo de Roma, expressando com mais liberdade e autonomia nossa opinião sobre os assuntos que pedem uma revisão pastoral e teológica. Se os bispos de todo o mundo exercessem com mais liberdade e responsabilidade fraternas o dever do diálogo e dessem sua opinião mais livre sobre vários assuntos, certamente, se quebrariam certos tabus e a Igreja conseguiria retomar o diálogo com a humanidade, que o Papa João XXIII iniciou e o Papa Francisco está acenando.
A ocasião, pois, é de assumir o Concílio Vaticano II atualizado, superar de uma vez por todas a tentação de Cristandade, viver dentro de uma Igreja plural e pobre, de opção pelos pobres, uma eclesiologia de participação, de libertação, de diaconia, de profecia, de martírio… Uma Igreja explicitamente ecumênica, de fé e política, de integração da Nossa América, reivindicando os plenos direitos da mulher, superando a respeito os fechamentos advindos de uma eclesiologia equivocada.
Concluído o Concílio, alguns bispos – sendo muitos do Brasil – celebraram o Pacto das Catacumbas de Santa Domitila. Eles foram seguidos por aproximadamente 500 bispos nesse compromisso de radical e profunda conversão pessoal. Foi assim que se inaugurou a recepção corajosa e profética do Concílio.
Hoje, várias pessoas, em diversas partes do mundo, estão pensando num novo Pacto das Catacumbas. Por isso, desejando contribuir com a reflexão eclesial de vocês, enviamos anexo o texto original do Primeiro Pacto.
O clericalismo denunciado pelo Papa Francisco está sequestrando a centralidade do Povo de Deus na compreensão de uma Igreja, cujos membros, pelo batismo, são alçados à dignidade de “sacerdotes, profetas e reis”. O mesmo clericalismo vem excluindo o protagonismo eclesial dos leigos e leigas, fazendo o sacramento da ordem se sobrepor ao sacramento do batismo e à radical igualdade em Cristo de todos os batizados e batizadas.
Além disso, em um contexto de mundo no qual a maioria dos católicos está nos países do sul (América Latina e África), se torna importante dar à Igreja outros rostos além do costumeiro expresso na cultura ocidental. Nos nossos países, é preciso ter a liberdade de desocidentalizar a linguagem da fé e da liturgia latina, não para criarmos uma Igreja diferente, mas para enriquecermos a catolicidade eclesial.
Finalmente, está em jogo o nosso diálogo com o mundo. Está em questão qual a imagem de Deus que damos ao mundo e o testemunhamos pelo nosso modo de ser, pela linguagem de nossas celebrações e pela forma que toma nossa pastoral. Esse ponto é o que deve mais nos preocupar e exigir nossa atenção. Na Bíblia, para o Povo de Israel, “voltar ao primeiro amor”, significava retomar a mística e a espiritualidade do Êxodo.
Para as nossas Igrejas da América Latina, “voltar ao primeiro amor” é retomar a mística do Reino de Deus na caminhada junto com os pobres e a serviço de sua libertação. Em nossas dioceses, as pastorais sociais não podem ser meros apêndices da organização eclesial ou expressões menores do nosso cuidado pastoral. Ao contrário, é o que nos constitui como Igreja, assembleia reunida pelo Espírito para testemunhar que o Reino está vindo e que de fato oramos e desejamos: venha o teu Reino!
Esta hora é, sem dúvida, sobretudo para nós bispos, com urgência, a hora da ação. O Papa Francisco ao dirigir-se aos jovens na Jornada Mundial e ao dar-lhes apoio nas suas mobilizações, assim se expressou: “Quero que a Igreja saia às ruas”. Isso faz eco à entusiástica palavra do apóstolo Paulo aos Romanos: “É hora de despertar, é hora e de vestir as armas da luz” (13,11). Seja essa a nossa mística e nosso mais profundo amor.
Abraços, com fraterna amizade,
Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba.
Dom Tomás Balduino, bispo emérito de Goiás.
Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia.