José Maria e Silva
No sábado, 25 de maio, várias cidades brasileiras, como São Paulo, Belo Horizonte e Recife, foram palco da Marcha das Vadias. No mesmo final de semana, outras marchas foram realizadas em Florianópolis, Fortaleza, São Luís e Aracaju.
Modismo nasceu no Canadá
A Marcha das Vadias nasceu em Toronto, a maior cidade do Canadá, com 2,5 milhões de habitantes. Em 24 de janeiro de 2011, o policial Michael Sanguinetti foi à Osgoode Hall Law School, uma das mais antigas Faculdades de Direito do Canadá, proferir uma palestra sobre segurança pessoal para os estudantes. Apenas dez alunos se interessaram pelo evento, o que deve ter estimulado o policial a falar sobre o tema com mais informalidade. Num dado momento da preleção, referindo-se aos crimes sexuais em Toronto, que apresentavam um número elevado (para os padrões do Canadá), Sanguinetti disse que iria falar sem rodeios e alertou: “Eu não deveria falar sobre isso, mas tenho dito que as mulheres devem evitar se vestir como vadias para não serem vítimas”.
A declaração foi sendo repassada de boca em boca e gerou indignação na universidade. Além de ser enquadrado num programa de capacitação, o policial enviou uma mensagem de correio eletrônico para a universidade, na primeira quinzena de fevereiro, desculpando-se pelo que havia dito. “Fiz um comentário impensado, que não reflete o compromisso do Serviço de Polícia de Toronto com as vítimas de agressões sexuais”, escreveu. O policial disse, ainda, que os crimes violentos, como assaltos sexuais, podem ter um efeito traumatizante sobre as suas vítimas e, diante disso, reiterou que seu comentário fora prejudicial. “Estou envergonhado pelo comentário que fiz e que não deve ser repetido. Peço desculpas por quaisquer maus sentimentos que meu comentário possa ter despertado”, concluiu.
Mas seu pedido de desculpas foi em vão. Valendo-se das redes sociais, especialmente do Facebook, um grupo de estudantes da universidade resolveu protestar contra a declaração do policial, criando uma marcha de protesto intitulada “Slut Walk”, em inglês, ou Marcha das Vadias (ou “putas”, “cadelas”), em português. A marcha canadense arregimentou cerca de 3 mil pessoas e, já nas semanas seguintes, ultrapassou as fronteiras do riquíssimo país norte-americano e se espalhou por várias cidades dos Estados Unidos. Em seguida, o modismo canadense chegou à Argentina, Austrália, Holanda, Nova Zelândia, Suécia e Reino Unido, além do Brasil. Hoje, também é realizada na França, na Alemanha e em vários outros países, sempre com o mesmo objetivo — desafiar o senso comum por meio da adoção subversiva do termo “vadias” pelas próprias mulheres.
Sem ética e sem razão
Diz um antigo provérbio popular, aplicado às mulheres pelos machistas, que “formiga, quando quer se perder, cria asas”. Outro provérbio, de origem bíblica, diz que “é pelos frutos que se conhece a árvore”. Combinando esses dois provérbios, pode-se ter um diagnóstico preciso da Marcha das Vadias, cujos frutos palpáveis são as palavras de ordem de suas militantes nas ruas durante as passeatas. E elas falam por si.
O cartaz mais recorrente nas Marchas das Vadias é o que associa a “santa” com a “puta”. Mas essa associação não obedece a uma lógica. Ela varia conforme a militante. Umas dizem: “Nem santa, nem puta, sou livre”. Outras gritam: “Sou santa, sou puta, sou livre”. Uma flagrante contradição, sem dúvida. Também é comum o cartaz que propõe um enunciado e três opções de resposta: “Um homem sem camisa: 1) está com calor; 2) vai jogar bola; 3) quer ser estuprado, claro”. Para as militantes, a resposta correta, que aparece marcada no cartaz, é a terceira, supostamente ironizando os machistas que alegam que uma mulher sem roupa está se oferecendo aos homens. Ora, homem não tem seios e o equivalente masculino de uma mulher sem sutiã seria um homem de cuecas, o que é inadmissível em locais públicos.
Luta vã com a natureza
Aliás, ao contrário do que afirmam as “vadias”, a nudez masculina é até mais proibida pela difamada “sociedade patriarcal” do que a feminina. Além de exibirem fartamente seios e nádegas, as mulheres também são vistas com muita frequência em nu frontal. Já o nu frontal masculino, mesmo nesse cenário de devassidão, continua sendo rigorosamente proibido e as raras fotos de homens com genitais à mostra geralmente são feitas em grupos, com mulheres também nuas, o que dilui o impacto do membro masculino, por sinal, sempre adormecido nessas ocasiões. E por que o nu frontal do homem é proibido? Porque é agressivo, porque põe em risco a integridade física das mulheres, porque um homem nu, ao contrário do que diz o tolo cartaz da marcha, não quer ser estuprado: ele pode estuprar — coisa que as mulheres não podem.
Mas as feministas, que inspiram a Marcha das Vadias, teimam em negar um dado incontornável da natureza — homens e mulheres são fisicamente diferentes, e o homem, para o bem e para o mal, é mais forte. Prova disso é que outros cartazes recorrentes nas marchas ilustram essa igualdade fictícia entre machos e fêmeas. “Sou vadia, mas isso não te dá o direito de me estuprar” — estampa um cartaz. “Pelo direito de expressar minha sexualidade e minha sensualidade sem ser estuprada” — afirma o cartaz de uma mocinha com os seios totalmente nus. “Minha minissaia não é um convite, seu tarado” — reitera outra, com as pernas à mostra.
A utópica igualdade de gênero
Homens e mulheres só podem ser iguais no plano do espírito, da inteligência, da civilidade. Reduzidos ao mero corpo de cada um, o homem vira macho — como o cavalo e o galo — e a mulher vira fêmea — como a égua e a galinha. E basta ver o que os correspondentes do homem nesse reino animal fazem com suas respectivas fêmeas para se ter uma ideia do futuro que aguarda as mulheres num mundo sem os valores judaico-cristãos, com o qual sonham as feministas. Justamente por causa do arrefecimento desses valores — muito mais do que pela mera desigualdade social — é que os índices de violência dos centros urbanos em todo o mundo, especialmente no Brasil, estão atingindo níveis insuportáveis. Quando empunham seus cartazes contra a Igreja e a família tradicional, reclamando dos assassinatos e estupros de que são vítimas, as “vadias” se esquecem que os verdadeiros estupradores e assassinos não se comovem com palavras de ordem, mas têm seus instintos aguçados pela carne que elas expõem.
É fácil para uma jovem estudante universitária — protegida por familiares e amigos — expor os seios em praça pública, dizendo que adora gozar, mas que sua nudez ostensiva, como se fora um bem de uso público, não é um convite ao sexo. Essa atitude chega a ser ofensiva diante da jovem de periferia, que ao voltar tarde da noite do trabalho, esperando ônibus em pontos ermos e ruas escuras, não pode ostentar a mesma autonomia na cara do estuprador de carne e osso — e não simbólico — que atravessa seu caminho. De fato, o policial canadense estava errado: as autointituladas “vadias” não induzem, com sua atitude, o estupro de si mesmas, mas, sem dúvida, contribuem para transformar a mulher em objeto e, ao fazê-lo, reforçam nos machos brutais a convicção de que mulher é mesmo para ser usada. Mas eles não terão acesso às protegidas “vadias” das marchas — suas vítimas serão quase sempre as infelizes mulheres de periferia, que cruzam cotidianamente seu caminho.
A Marcha das Vadias finge dar asas à mulher, mas, na verdade, tira-lhes o próprio chão.