Uma vez ouvi uma definição de coragem que gostei muito. Foi no filme “O Diário da Princesa”, da Disney. No aniversário de 16 anos da filha, o pai, já falecido, havia deixado uma carta que dizia assim:“Coragem não é a ausência do medo, mas a decisão de que algo é mais importante que o medo. O corajoso pode não viver para sempre, mas o cauteloso nunca vive plenamente.” Essa frase mexeu muito comigo, pois sou uma pessoa um “mocadinho” medrosa.
O medo é um sentimento necessário para a sobrevivência do ser humano. Numa situação de perigo de morte, por exemplo, é o medo de perder a vida que nos faz correr de um animal descontrolado, nadar em meio a fortes ondas, enfim, se esconder ou enfrentar o perigo. Isso é bom, muito bom! Mas, e quando fugimos da possibilidade de acontecer algo ruim, mesmo que não seja um perigo iminente? Isso acontece quando temos medo de um perigo, medo de sentir as dores de uma perda. Ao contrário do medo que nos move, esse medo nos paralisa, nos faz ficar estagnados, escondidos. Nesses casos, para nos mover,temos que enfrentar os medos, e não necessariamente os perigos. Nesse texto, quero refletir sobre como lidamos com nossos medos e como isso influencia a educação que damos a nossos filhos.
Para ajudar nessa reflexão, convido vocês a ver o filme“Procurando Nemo”.
Reprodução: Marlyn e Nemo
Esse filme, também da Disney, começa apresentando Marlyn e sua esposa, dois peixes palhaço que estão “adquirindo” sua nova moradia. Tudo é só felicidade: “casa” nova em um lugar privilegiado e muitos filhotinhos a espera em seus ovinhos. Em meio a essa alegria, um desastre acontece: o ninho de amor é atacado por um peixe feroz e Marlyn perde de uma só vez o amor de sua vida e seus filhotes. Só o que encontra é o vazio. Mas, em meio a esse desespero, uma ponta de esperança brilha para ele: um ovo se salvou, um filho amado que ele dá o nome de Nemo! Após uma passagem de tempo, a vida de pai e filho é só harmonia, pois os dois não se desgrudam. O cuidado de Marlyn para com Nemo é tanto, que ele protelou ao máximo a ida do filho à escola, com o intuito de protegê-lo. No entanto, todo esse zelo não adiantou. Em um descuido, Nemo é capturado por mergulhadores, e Marlyn, desesperado por mais essa perda, segue a procura de seu filho único, numa busca que irá trazer muito mais do que seu filho de volta: trará também muito amadurecimento e coragem.
Por muitas vezes, os pais protegem tanto seus filhos que acabam por sufocá-los, por não deixar que eles mesmos vivam suas experiências. Ao mesmo tempo, o dever dos pais é zelar pela segurança, proteção e cuidado de sua prole, principalmente ensinando-os o que é certo e errado, bom e ruim, enfim, ensinando os limites da vida.
Essa linha que separa a proteção saudável da super-proteção é tênue e precisa ser constantemente vigiada. Por isso é necessário estar atento às limitações de entendimento e de atividades para cada idade de seus filhos. Por mais preocupada que uma mãe possa ficar com um tombo de uma criança, por exemplo, mesmo com toda atenção prestada, isso pode acontecer, e esse “raladinho” pode servir de aprendizado.
É possível observar no filme que o sofrimento que Marlyn passou com a perda de sua esposa e de seus outros filhos criou nele um medo enorme de perder o próprio Nemo. No fundo, ele tem um grande medo de sofrer. Quem de nós não têm medo de sofrer? Medo de perder a felicidade vivida? No entanto, temos que aprender a lidar com esses medos para que eles não nos paralisem. Precisamos aprender a ser corajosos, a perceber o que é mais importante do que o medo que sentimos.
Reprodução: Dori e Marlyn na barriga da baleia
Um dos trechos que mais me chamou atenção do filme foi a sequência em que Marlyn e Dori, uma pexinha amiga, estão presos dentro de uma baleia e Marlyn começa a ficar desanimado com os problemas e adversidades no caminho, à procura de seu filho. Dori, sempre otimista, tenta animá-lo, dizendo que vai ficar tudo bem. Marlyn então diz que prometeu que nunca deixaria nada acontecer com seu filho Nemo, e Dori responde: “Coisa engraçada de se prometer. Se você deixar nada acontecer com ele, nada vai acontecer com ele.” E é verdade!
Quando os pais, no intuito de proteger seus filhos, controlam para que nada aconteça, eles não terão a chance a aprender com as adversidades da vida, tão comuns e tão ricas para nosso amadurecimento. Talvez essas crianças acreditem que o mundo é “perfeito”, que não existem problemas, e, na vida adulta, não saberão lidar com as diferenças, com as contrariedades que encontramos no dia-a-dia.
Na continuação desta sequência, ao perceber que a baleia parou e a água está baixando, Dori diz que a baleia está pedindo para eles se soltarem e irem para o fundo da garganta. Marlyn fica desconfiado e diz que a baleia quer na verdade engoli-los. Quando Dori se solta confiante no que a baleia está dizendo, Marlyn fica desesperado e a agarra. Dori então explica para Marlyn o que a baleia quer, e no diálogo que segue, temos uma das grandes demonstrações de medo do ser humano:
Dori – Ela disse para a gente se soltar logo! Vai dar tudo certo!
Marlyn – Como sabe disso? Como sabe que não vai aparecer nenhum problema?
Dori – Não sei não!
E então, Marlyn vence seu medo e se solta junto com Dori para o fundo da garganta da baleia, para o desconhecido, que tantas vezes nos assusta, nos amedronta!
“Coragem não é a ausência do medo, mas a decisão de que algo é mais importante que o medo.” É interessante perceber que muitas vezes, nos momentos de decisões de nossas vidas fazemos essa pergunta a nós mesmos ou aos que estão junto conosco: será que vai dar certo? Não vai ter nenhum problema pelo caminho? A resposta será sempre a mesma: não sabemos! Mas isso não significa que não vai ficar tudo bem, que não “vai dar tudo certo”! Temos que acreditar nisso, ser otimistas, sem deixar de ser realistas. O ser humano tem o desejo de ter o “controle” de tudo, para que tudo saia conforme esperamos, desejamos. Mas esse controle não existe, é uma sensação falsa. No filme, Marlyn percebeu que a busca pelo seu filho amado é mais importante do que o medo que ele tem do desconhecido, das suas perdas.
Outra lição que tirei deste mesmo trecho é a de confiar naqueles que estão junto conosco na caminhada da vida, nas nossas buscas. Marlyn insiste várias vezes com a peixinha Dori de que ela não sabe falar “baleiês”, de que ela não entende o que a baleia está dizendo. Muitas vezes, nossa família, nosso cônjuge ou até amigos estão do nosso lado nos apontando para caminhos que nós não queremos enxergar, e preferimos dizer que eles não sabem o que estão falando, não entendem “baleiês”. Não confiamos porque o caminho que eles nos apontam é desconhecido, nos amedronta, pode nos trazer um sofrimento ou um resultado não “controlado” por nós. Para quem acredita em Deus, esse acreditar na “voz da baleia” e se jogar no fundo da garganta deve ser um aprendizado constante. Ele nos pede para que acreditemos nos caminhos desconhecidos, no qual não temos controle, pois com Ele ao nosso lado, “Vai dar tudo certo!”.
Compartilho com vocês esses meus pequenos aprendizados. Ainda são para mim aprendizados, pois ainda não estão enraizados no meu viver, não viraram uma prática fácil. Tenho momentos de coragem e momentos de medo. Momentos em que o medo da perda da felicidade fala mais alto. Ainda tenho que pensar muitas vezes o que é mais importante do que o medo. Sei que assim conseguirei viver mais plenamente, mesmo que tenha que ser menos ou com mais sofrimento.