Recentemente, na novela Amor à Vida, um médico se negou a atender uma paciente que chegou ao hospital em estado de choque após ter provocado um aborto ilegal, alegando que isso iria contra sua consciência. No entanto, a cena misturou dois conceitos, omissão de socorro e objeção de consciência, com o risco de o espectador não perceber a diferença entre as duas situações. Por isso, é preciso fazer observações importantíssimas sobre esta questão apresentada com frequência pela mídia.
O médico tem obrigação ética de prestar socorro a qualquer pessoa em risco de morte ou em situação de emergência; portanto, não existe o recurso da objeção de consciência diante de uma mulher em situação de risco após tentativa de aborto, não importa como ele tenha sido realizado. Isso é completamente diferente de afirmar que um médico é obrigado a realizar um aborto. Neste caso, é-lhe assegurado o direito de objeção de consciência.
Assim, o que houve na novela não corresponde à realidade dos hospitais: negar-se a salvar uma vida em risco iminente é uma infração grave, diferente da objeção de consciência. Inclusive nem é preciso haver uma lei sobre omissão de socorro, porque isso já está no Código de Ética Médica. Entretanto, algumas leis atuais no Brasil têm, na verdade, o objetivo de forçar a liberação do aborto, alegando não existir direito à objeção de consciência para instituições e para o médico nestes casos, porque a mulher correria risco se procurasse um aborto ilegal.
Porém, consideremos: uma pessoa que quiser amputar sua própria mão sem ser por motivo de saúde não pode ser auxiliada pelo médico, que sofrerá severa punição se o fizer – apesar do risco que esta pessoa corre se insistir em fazer o ato de forma insegura. Mas, quando existe a ameaça da realização de um aborto provocado, o médico seria obrigado a fazê-lo? Para dizer que sim é preciso negar a existência de um ser vivo humano em gestação. É preciso negar a humanidade daquele que se quer eliminar.
Uma única morte materna devida ao aborto provocado deve ser lamentada, mas esta não é uma das principais causas de morte de mulheres no Brasil. Dados oficiais do Ministério da Saúde declaram que ocorrem em torno de 450 mil mortes do sexo feminino ao ano. Destas, 66.400 são mulheres em idade fértil, sobretudo devido a doenças do aparelho circulatório e a tumores malignos. O número de mortes após o aborto desde 1996 variou entre 115 e 169 casos por ano, sendo que uma grande parte nada tem a ver com o aborto clandestino, mas com patologias diversas da gestação.
Entre as 450 mil mortes femininas anuais, existem causas graves e evitáveis que matam maior número de mulheres no Brasil – essas, sim, são uma verdadeira questão de saúde pública. O fato de que o aborto é praticado, gerando internações e gastos públicos, também não é argumento, porque a experiência em outros países mostra que a liberação aumenta o seu número, bem como as internações por outros problemas de saúde da mulher no curto, médio e longo prazo; além disso, uma contravenção não deve ser liberada apenas porque é praticada.
O recurso à objeção de consciência é exigência do regime democrático, garantindo ao cidadão o direito de não participar de ato criminoso ou que esteja contra seus princípios. Assim como é dever de consciência oferecer informações verdadeiras à população, sem distorção do significado das palavras e atitudes.
Elizabeth Kipman Cerqueira, médica ginecologista e obstetra, é coordenadora nacional de Bioética do movimento Brasil sem Aborto.
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