«Na vida cotidiana, não é raro surgirem dúvidas sobre a participação de fiéis católicos em atos de culto (preces, cantos, pregação, casamentos, batizados) de outras confissões religiosas. Quais seriam os princípios que devem nortear os católicos em tais casos?»
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A fim de «se formularem normas bem claras, faz-se mister distinguir entre «participação ativa e formal» em culto não católico e «participação passiva e meramente material».
Fala-se de «participação ativa e formal», no nosso caso, quando um católico desempenha alguma função em culto não católico, com a intenção de assim honrar a Deus à semelhança dos seus irmãos não católicos.
Quanto à «participação passiva e meramente material», significa que um católico, movido por sérias razões (de conveniência social, por exemplo), assista às cerimônias de um culto não católico, sem desempenhar ai algum papel e sem prestar adesão interior a quanto se diz ou faz na execução do rito.
Feita esta distinção, já se podem formular os princípios que devem nortear a conduta dos católicos frente aos cultos não católicos. A isso acrescentaremos algumas normas concernentes à hipótese inversa, isto é, à possibilidade de participarem do culto católico os membros de confissões não católicas.
1. Os fiéis católicos e os cultos não católicos
A. Participação ativa e formal
1.1. Esta maneira de participar em cultos não católicos fica estritamente vedada aos fiéis católicos; cf. Código de Direito Canônico, cân. 1258 § 1.
As razões de tal proibição são óbvias:
a) o fiel católico, numa função religiosa comportando-se em tudo como um não católico, está explícita ou implicitamente professando um credo alheio ao seu, o que equivale a renegar a fé católica.
b) Ainda que o católico, durante a participação ativa em culto não católico, não renegue inteiramente a sua fé, fica sempre o perigo de contaminação ou de ecleticismo. Mesmo que não o queira nem saiba, ele cria, para si e para quem o vê, um clima de relativismo ou indiferentismo religioso.
A participação ativa sugere sorrateiramente a impressão de que todas as religiões são mais ou menos equivalentes entre si ou… de que Religião é questão de sentimento e afeto apenas, não envolvendo propriamente o patrimônio da verdade. Assim corre perigo este patrimônio, que certamente não é alheio à Religião», antes por excelência nela está envolvido. Já que tal patrimônio não é próprio dos católicos, mas pertence a todos os homens, é de interesse comum seja guardado incólume. Destarte se explica a aparente intransigência dos católicos perante tudo que tenha sabor de relativismo ou confusão religiosa.
c) Além disto, deve-se levar em conta o grave perigo do mau exemplo e do escândalo que o ecleticismo religioso assim praticado acarreta para os fiéis que o observam e que valorizam a reta fé.
1.2. A norma geral que acaba de ser formulada, pode ser aplicada à consideração de casos particulares. É o que se fará abaixo:
a) Fora de perigo de morte (que será explicitamente focalizado adiante), não é lícito a um católico receber os sacramentos de ministro não católico ou de um sacerdote católico excomungado, ainda que durante anos o católico não se possa encontrar com um sacerdote aprovado pela Igreja.
Tão rigorosa prescrição se explica pelo fato de que os sacramentos são sinais muito concretos da unidade da Igreja (Isto se verifica, de maneira especial, com a S. Eucaristia; cf. 1 Cor 10,17). Consequentemente, a recepção dos sacramentos das mãos de ministro não católico vem a ser, por si mesma, um testemunho de descaso ou de negação da unidade da Igreja, unidade em que Cristo tanto insistiu (cf. Jo 17).
b) Não é permitido a um católico exercer as funções de padrinho (ainda que o faça por procurador apenas) em batismo conferido por ministro herético. Apresentando o candidato ao batismo herético, o padrinho o introduz em uma falsa religião, e obriga-se a assegurar a sua formação religiosa dentro dos moldes dessa crença errônea. Nada se opõe, porém, a que um fiel católico assista a um batismo de herege na qualidade de simples testemunha; ele não participa então da administração do sacramento.
c) Quanto ao matrimônio, compreende-se (pelos motivos indicados), seja vedado aos fiéis católicos qualquer contrato matrimonial perante ministro não católico; nos casamentos mistos, mesmo após o consentimento conjugal dado pelos nubentes na Igreja Católica, não é lícito ao católico ir fazer o mesmo em templo de outra confissão religiosa; quem o faz, incorre em pena de excomunhão da qual somente o Ordinário (prelado ou Bispo diocesano) pode absolver (cf. C. D. C. cân. 2319). Contudo, se o ministro de uma crença não católica exercer as suas funções apenas na qualidade de oficial civil e se o contrato matrimonial realizado em sua presença não tiver significado religioso, mas for mero ato civil, não há objeção alguma contra a participação de nubentes e convidados católicos nesse ato civil (cf. cân. 1257 § 2). Será preciso, porém, que tal cerimônia não envolva perigo de escândalo ou de contaminação da fé ou de desprezo da autoridade eclesiástica.
Convém aqui lembrar o grave perigo que para a fé constituem os chamados «matrimônios mistos» ou os casamentos de parte católica com parte não católica. O nubente católico se arrisca, nesses casos, a contaminar o seu patrimônio religioso ou a cair no relativismo. A prole, por sua vez, observando dualidade religiosa nos genitores, em geral não abraça devidamente a religião; tende, antes, ao descrédito e ao indiferentismo religioso. Dai a admoestação do Código de Direito Canônico (cân. 1060s) a que não se facilitem tais casamentos.
d) Em perigo de morte, os fiéis católicos, não tendo à disposição sacerdote católico aprovado, podem recorrer a qualquer padre excomungado ou cismático, contanto que tenha sido validamente ordenado sacerdote, como se crê ser o caso dos orientais separados de Roma. A esse sacerdote separado a Igreja, em tal caso (de morte iminente), confere jurisdição para agir em nome da Esposa de Cristo; requer-se então apenas que o sacerdote tenha a intenção de fazer o que faz a Esposa de Cristo quando confere os últimos sacramentos aos moribundos.
Pergunta-se: as enfermeiras católicas podem chamar um ministro não católico para atender a um doente não católico que o peça? — Deve-se responder afirmativamente, contanto que evitem qualquer eventual escândalo. Na verdade, a transmissão do chamado ao ministro não católico não significa aprovação da heresia, mas apenas testemunho de afeto para com um enfermo que, em virtude do seu débil estado de saúde, já deve estar incapacitado de mudar de crença ou de passar da mera «boa fé» para a «boa e verdadeira fé».
e) É lícito aos católicos assistir a funerais celebrados segundo rito não católico, a menos que tenham caráter implícita ou explicitamente contrário à fé católica. As cerimônias de exéquias são frequentemente consideradas como ato meramente social, de modo que quem a elas comparece não está necessariamente professando algum credo religioso.
f) Quanto ao mais, a consciência proíbe aos católicos orar, cantar ou tocar órgão em templo herético ou cismático, associando-se assim ao culto público não católico, mesmo que os textos da prece ou da melodia sejam plenamente conciliáveis com a fé católica.
Nada impede, porém, que, fora do culto público e oficial, os católicos orem juntamente com não católicos, desde que as fórmulas de oração sejam ortodoxas (assim poderão perfeitamente rezar o «Pai Nosso» ou cantar salmos em comum).
De maneira geral, não é permitido aos católicos deixar que cultos heterogêneos sejam celebrados em templos católicos (o que bem se entende, à luz dos princípios já expostos). Contudo em certas regiões, a título de exceção e por motivos especiais, o bispo local pode permitir culto não católico nas igrejas católicas em horas adequadas. É o que se tem visto em territórios da Alemanha e na igreja do Sto. Sepulcro em Jerusalém.
g) Há certos ritos habituais ou mesmo obrigatórios em países do Oriente, cuja índole é ambígua, pois tanto podem ser tidos como expressões de culto pagão como simples homenagem civil tributada a célebres personagens da pátria. É o que se dá na China, no Japão, na Tailândia, por exemplo, onde se veneram estátuas de Confúcio, tabuinhas dos ancestrais e urnas portadoras de despojos dos antepassados.
Depois de hesitação por parte dos moralistas católicos, a Santa Sé houve por bem decidir recentemente ser lícito aos fiéis participar de tais ritos, contanto que haja motivo sério para isto e deem a entender, por suas atitudes, que não intencionam praticar um rito religioso, mas uma cerimônia meramente civil (cf. «Acta Apostolicae Sedis» 1939, 406; 1940. 379). Muito contribuiu para este pronunciamento da Igreja a declaração de governos orientais modernos segundo a qual .os mencionados ritos não implicam profissão de fé religiosa.
Passemos agora aos casos de
B. Participação passiva e meramente material
A assistência meramente passiva a casamentos, funerais e cerimônias semelhantes de rito não católico é permitida aos católicos contanto que, de um lado, os fiéis tenham para isso sérios motivos (obrigações civis, deferência a pessoas beneméritas ou amigas…) e, de outro lado, não haja perigo de contaminação da fé nem de escândalo para o público. Cf. Código de Direito Canônico, cân. 1258, § 2.
Para formar devidamente a sua consciência em tais casos, o fiel católico deverá levar em conta a projeção social que sua personalidade possa ter (as atitudes de pessoa muito notória são muito mais expostas a ocasionais comentários por vezes deturpadores e a provocar mau exemplo e escândalo, do que as atitudes de pessoas menos conhecidas pelo público). Também se deverá levar em conta a mentalidade que inspira tal ou tal rito não católico, pois pode acontecer que a inspiração dessa cerimônia seja dissimuladamente hostil à reta fé ou aos bons costumes; em tais casos, o comparecimento de um católico já não pode ser tido como cumprimento de um dever meramente civil ou social; o elemento religioso entra indiretamente em causa, elemento a respeito do qual não se pode criar ambiguidade.
Motivo de mera curiosidade não basta para justificar o comparecimento de um fiel católico a cerimônia religiosa não católica (casamento, batizado, funerais…); mesmo que isto não acarrete perigo para a fé do católico, trata-se de um ato vão em assunto muito delicado, prestando-se a causar mal-entendidos e escândalo.
Estabelecido o princípio geral acima, vão agora focalizados alguns casos particulares, de ocorrência mais frequente na vida prática:
a) a visita a templos não católicos fora das horas de culto, empreendida a título de ilustração cultural, nada tem de reprovável, pois ninguém interpretará tal ato como profissão de crença religiosa ou deturpação da verdadeira fé.
b) É lícito a um católico servir de testemunha meramente passiva do casamento religioso não católico de dois nubentes não católicos; o mesmo, porém, não se dá quando um dos nubentes é católico.
Com efeito; é de supor que os não católicos, comparecendo diante de ministro não católico para se casar, estejam cumprindo um ditame de sua consciência, de tal modo que não se poderia exigir deles outra conduta. Ao contrário, o nubente católico que se casa perante ministro não católico, comete um ato que a consciência católica reprova, de tal maneira que dele se poderia e deveria exigir outro comportamento. Em consequência, ser testemunha de casamento desse católico significa, de certo modo. dar apoio a uma atitude que a moral católica condena.
c) Por motivo semelhante, não é lícito a um católico ser testemunha do casamento meramente civil de dois católicos que não se queiram casar na Igreja. Na verdade, o contrato meramente civil não é casamento para o católico, de sorte que «prestigiá-lo» implica diluir os valores e favorecer o indiferentismo religioso.
d) Ouvir pelo rádio a pregação de mensageiros não católicos também é reprovável. Na realidade, sem o saber, o católico, assim procedendo, expõe a sua fé ao risco de desvio e de certo modo tenta a Deus, pois o Senhor não está obrigado a conservar os seus dons a quem tão pouco caso deles faz. Além disto, a audiência concedida a programas doutrinários não católicos é apta a causar escândalo, dada a aparência de relativismo e ecleticismo religioso que ela apresenta em público.
e) Em suma, para formar a sua consciência nessas e em outras situações semelhantes, os fiéis tenham sempre em vista o seguinte: o critério a adotar em tais casos é o perigo de perversão da reta fé e de escândalo para o próximo; onde este perigo exista, não é licito ao católico participar, nem mesmo passiva e materialmente, de culto não católico. Por isto não se poderia raciocinar nestes termos: «A visita a uma igreja protestante é licita em tal lugar e a tais pessoas. Por conseguinte, será licito a quaisquer pessoas e em qualquer lugar visitar igrejas protestantes». Faz-se, antes, mister ponderar as circunstâncias próprias de cada caso ocorrente.
Estas normas serão completadas por quanto se dirá abaixo:
2. Os não católicos e o culto católico
2.1. Nada se opõe à participação de não católicos em vários dos atos de culto católico, desde que se evite qualquer espécie de confusão doutrinária. Em verdade, assistir às funções da S. Liturgia e ouvir a pregação de Palavra de Deus só pode ser benfazejo para os não católicos. A Sta. Igreja deseja mesmo que pessoas não católicas, animadas de sinceridade e lealdade, assistam às funções do culto católico, pois, na verdade, «ninguém ama aquilo que não conhece».
O Código de Direito Canônico (cân. 1149) permite dar a essas pessoas as bênçãos que lhes possam valer a luz da fé ou a saúde do corpo; o cân. 1152 admite que lhes sejam aplicados os exorcismos; contudo bênçãos e ritos não lhes devem ser administrados em público, mas, sim, em ambiente discreto.
Ainda se poderiam citar ulteriores determinações baixadas pela Santa Sé no decorrer dos tempos. Assim:
Por motivos sérios e removido todo perigo de escândalo, pode-se aceitar que não católicos façam o papel de testemunhas em casamento de fiéis católicos.
Não é lícito, porém, convidar um não católico para o encargo de padrinho em batizado católico, pois o padrinho se obriga a exercer uma tutela religiosa sobre o afilhado, tutela que dependerá naturalmente da fé do respectivo padrinho (cf. cân. 765 n» 2). Nada, porém, impede que uma pessoa não católica assista a um batizado na qualidade de testemunha.
Na falta de organista católico em templo católico, é lícito recorrer provisoriamente a organista protestante, tomando-se naturalmente as cautelas para evitar equívocos e escândalos.
Moças pertencentes à Igreja Ortodoxa (cismática) podem ser admitidas num coro paroquial para cantar com jovens católicas no decorrer das funções litúrgicas.
2.2. Dado que um não católico (herege ou incrédulo), publicamente conhecido como tal, se converta à fé católica, não lhe será lícito contentar-se apenas com uma adesão dissimulada ou de foro meramente interno; como é bem compreensível, requer-se que professe publicamente a sua nova fé, à semelhança do que fazem os demais fiéis. A razão desta norma é a que nos tem ocorrido constantemente: a ambiguidade religiosa é detestável, pois significa diluição e sufocação dos maiores valores de que o homem possa dispor na terra. Contudo motivos sérios (como talvez o de evitar a dissolução de um lar ou uma perseguição violenta) podem aconselhar o adiamento da pública profissão de fé (o que não impede a recepção dos sacramentos em circunstâncias discretas).
Conclusão
Acabamos de propor as principais normas que deverão orientar a conduta dos fiéis católicos sempre que, na convivência social de cada dia, parentes ou amigos não católicos lhes dirigirem algum convite referente a culto religioso.
Terminaremos citando um caso recente de participação em culto alheio, caso que envolveu católicos e protestantes numa atitude unionista inaudita em épocas passadas.
Em agosto de 1959 reuniram-se na Abadia beneditina de Niederalteieh, na Baviera, cerca de cem cristãos, dos quais 60 eram católicos e 40 evangélicos (dentre estes, dez eram pastores). Durante os dias do encontro, foram proferidas conferências por parte tanto de católicos como de protestantes, sobre os assuntos seguintes: 1) Escritura Sagrada e Tradição; 2) a Igreja; 3) o Concilio Ecumênico.
Certa manhã agruparam-se esses estudiosos numa capelinha junto a um altar a fim de ouvir a S. Missa; os católicos se dispunham em semicírculo imediatamente após o altar; os protestantes formavam um segundo semicírculo atrás deles. Os católicos receberam a S. Comunhão. O celebrante era um jovem monge beneditino, que no momento oportuno fez uma homilia sobre o sacramento da união dos cristãos, exprimindo, entre outras coisas, seu vivo pesar por verificar que nem todas as pessoas presentes podiam participar da mesma mesa eucarística, pois entre protestantes e católicos a toalha de mesa, por assim dizer, estava cartada.
Em outra manhã, semelhante assembleia se realizou num dos salões da Abadia, onde a ceia eucarística (que, para os evangélicos, não é o sacrifício da cruz) teve lugar segundo um rito luterano remodelado de acordo com os costumes dos primeiros tempos da Reforma, ou seja, em termos que lembravam ainda de perto as cerimônias da S. Missa católica. O oficiante era um pastor luterano da Baviera, assistido por outro pastor, que se encarregou do respectivo sermão: este, versando sobre a Eucaristia, poderia ter sido, quase na íntegra, repetido numa igreja católica. Dessa vez, os protestantes se colocaram nas primeiras fileiras junto ao oficiante, ficando os católicos atrás deles; os protestantes receberam o pão da ceia. Devoção e recolhimento davam a nota marcante ao ambiente; alguns católicos chegaram mesmo a se associar aos cantos populares então executados.
Este episódio, sem precedentes na história do Cristianismo, muito chamou a atenção do público: seria um passo a mais para a união dos cristãos na base da verdade, que é una, ou seria talvez uma traição por parte dos católicos ao patrimônio da genuína fé?
As autoridades eclesiásticas não reprovaram a atitude dos católicos no caso (nem é de crer que estes tenham agido sem consentimento prévio da hierarquia). Quanto aos teólogos, refletindo sobre o assunto, julgam tratar-se de um episódio de participação meramente material ou passiva de católicos e protestantes em culto alheio. No que diz respeito aos católicos em particular, estava suficientemente esclarecida pelos demais atos do encontro a sua posição doutrinária, de modo que o seu comparecimento à liturgia protestante, longe de significar relativismo na fé, devia manifestar caridade e desejo de união em torno de um só pão, numa só comunhão eucarística e eclesiástica.
Ademais o famoso acontecimento bem atesta que a aparente intransigência da Santa Igreja em questões de culto nada tem de mesquinho; é, antes, a necessária salvaguarda do patrimônio da verdade religiosa, verdade que só poderá beneficiar os homens se for mantida pura.
Dom Estêvão Bettencourt (OSB) via http://www.comshalom.org/blog/carmadelio/35740
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