26.07.2013 -
Doceria do Rio usa hóstias na receita de cajuzinho
Antes de uso restrito às celebrações católicas, a hóstia deixou de ser um artigo destinado às igrejas e aos mosteiros. O produto hoje é requisitado por doceiras, que exploram o sabor da rodelinha de farinha de trigo e água, e por fonoaudiólogos, que descobriram uma utilidade terapêutica para a massinha que gruda no céu da boca.
No ateliê de doces Ana Foster Chocolates, do Rio de Janeiro (RJ), a dona do negócio, Ana Foster, afirma que são produzidas 2.400 unidades de doces com hóstia por semana. A variedade inclui brigadeiros, cajuzinhos, doce de leite e doce de ovos. O preço para cada um é R$ 1,80.
Em cada doce, são utilizadas duas hóstias, formando uma espécie de "sanduíche". Segundo a empresária, as rodelas de farinha e água ajudam a quebrar o sabor adocicado de suas receitas.
"Um produto menos adocicado também fica menos enjoativo. A maior motivação para utilizarmos hóstias nos doces, no entanto, foi para nos diferenciarmos no mercado."
Segundo Foster, os doces com hóstias representam quase 50% dos ganhos da empresa. A maior parte das vendas é feita para casamentos. "Por mês, chegamos a utilizar 20 mil hóstias em nossos produtos", declara.
Nas celebrações católicas, a hóstia é considerada o corpo de Jesus Cristo e, somente após a bênção do padre, torna-se um alimento sagrado. Foster acredita que, por usar o produto sem a bênção, não está desrespeitando a igreja.
No entanto, para o diretor da faculdade de teologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Valeriano Costa, o uso da hóstia nos doces pode ofender alguns consumidores mais religiosos.
"Não há nenhuma proibição quanto ao uso da hóstia para outros fins. Porém, por conta da simbologia do alimento, o consumo fora da igreja pode ser visto como desrespeito à religião católica", diz.
Produto auxilia em tratamento fonoaudiológico
Produto auxilia em tratamento fonoaudiológico
Na fonoaudiologia, a hóstia é utilizada para o tratamento de dificuldades de fala, mastigação e respiração, segundo a fonoaudióloga Laura Davison Mangilli.
"A hóstia tem a capacidade de grudar no céu da boca e nas bochechas. Essa adesão faz com que o paciente possa realizar os exercícios indicados pelo terapeuta com mais precisão", diz.
Visita do papa aquece venda de hóstias
Visita do papa aquece venda de hóstias
A vinda do papa Francisco ao Brasil para participar da JMJ (Jornada Mundial da Juventude) aqueceu a venda de hóstias. Na fábrica Nossa Senhora de Fátima, em Ponte Nova (MG), foi encomendado 1,5 milhão de unidades para servir os fiéis na capital fluminense.
Segundo o gerente administrativo da empresa, Ary Brum Júnior, 35, o pedido gerou um aumento de 10% nas vendas. "Já operamos no limite da nossa capacidade, por isso não pudemos aceitar mais encomendas", afirma.
O empresário, que é católico, diz que os organizadores do evento fizeram o primeiro contato com ele em dezembro de 2012. Depois, foi preciso enviar amostras ao Rio de Janeiro para o produto ser aprovado.
"Saber que a nossa hóstia estará nas mãos do papa é uma sensação indescritível. Estamos muito felizes com esta oportunidade", declara.
Segundo Brum Júnior, para começar o negócio, em 1995, foi preciso investir R$ 30 mil, recurso obtido por meio de financiamento bancário. Em 18 anos, a empresa já investiu mais R$ 2 milhões para ampliar a produção.
O fundador da fábrica foi o pai do empresário, Ary Brum, que hoje, aos 85 anos, ainda ajuda na produção fazendo o corte das hóstias.
De acordo com o empresário, a fábrica produz 40 milhões de hóstias por mês. Um pacote com mil unidades de 3,3 cm (usadas nas celebrações católicas) custa R$ 5. O faturamento mensal é de R$ 200 mil.
Hoje, a fábrica tem 1.074 clientes fixos, entre paróquias, dioceses (que distribuem as hóstias para as igrejas da cidade) e fonoaudiólogos –menos de 1% do total.
"Já recebi pedidos de empresas que queriam usar hóstias para fazer doces, mas recusei porque acredito que esse não é o objetivo do meu produto", afirma.
Apesar da alta nas vendas com a visita do papa, Brum Júnior afirma que o mercado de hóstias é muito restrito e com poucas chances de crescimento.
"Hoje, para uma fábrica entrar no mercado, ela precisa oferecer um produto melhor e mais barato do que o existente. Caso contrário, um padre que compra há mais de dez anos do mesmo fornecedor não vai querer mudar", declara.
Além disso, o empresário diz que as variações no preço da farinha de trigo afetam diretamente o caixa da empresa. Atualmente, a Argentina, maior fornecedora do cereal para o mercado brasileiro, enfrenta uma escassez do produto, que se reflete também no Brasil.
"O saco da farinha pode custar R$ 60 hoje e, no mês seguinte, mais de R$ 100. Não posso repassar essa alteração de preço todo mês para meus clientes. Há épocas em que lucramos mais e outras em que fechamos quase no vermelho."
Para a consultora do Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e às Pequena Empresa), Beatriz Micheletto, se o empresário modificar constantemente o preço do produto pode perder clientela. "Algumas igrejas têm verba contada para tudo. Se o preço da hóstia subir, elas podem ficar sem condições de comprar ", diz.
Segundo Micheletto, por ser um produto de baixo custo, a hóstia só trará retorno se a empresa tiver uma carteira de clientes numerosa ou, pelo menos, clientes que comprem em quantidade elevada.
"Vender pacotes avulsos não vai manter o negócio. Por isso, é importante estudar o mercado e saber quem vai ter interesse em comprar este tipo de produto."
A consultora do Sebrae-SP afirma, ainda, que o mercado religioso é muito restrito. A maioria das paróquias e dioceses já tem seus fornecedores fixos. A alternativa, neste caso, é buscar espaço em outras áreas.
"O uso de hóstias na gastronomia está crescendo. Pode ser uma boa para as fábricas fornecerem para esse segmento também, e não ficarem limitadas só às igrejas."
Fonte: UOL noticias
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