sábado, 20 de abril de 2013

O casamento e a homoafetividade. Em jogo a concepção de família que vale para todos e cuja alteração atingirá a todos.



Reflexões de Paulo Vasconcelos Jacobina, procurador regional da república e mestre em direito econômico
As uniões interpessoais de cunho sexual são questão de foro absolutamente íntimo. Nunca deveriam interessar ao Estado democrático salvo quanto a dois aspectos, que ultrapassam o plano da mera intimidade sexual: 1) a constituição de patrimônio (e neste ponto não há de fato diferença entre relacionamentos homossexuais e heterossexuais) e
2) na potencial geração natural, cuidado e criação estável de uma prole. É aqui que existe uma diferença fática entre as parelhas heterossexuais estáveis e monogâmicas, supostamente as únicas capazes de prestar este serviço à sociedade, e as outras formas de relacionamento humano, heterossexual, polissexual ou homossexual, de entre uma, duas ou mais pessoas.
O matrimônio, portanto, naquilo que respeita à regulação estatal, nunca representou intromissão ou valorização estatal de alguma forma de convivência sexual interpessoal, mas a regulamentação de patrimônio comum e prole. Trata-se de reconhecer e valorizar esta forma de viver consistente em gerar naturalmente e educar uma prole estavelmente, de modo a perpetuar os valores sociais e garantir a sobrevivência da sociedade – e do estado – por mais gerações. E que envolve ou não desejo sexual atual entre os cônjuges.
Os efeitos patrimoniais das relações de base sexual diversas da noção tradicional de matrimônio podem sempre ser licitamente regulados, bem como as relações parentais que eventualmente surgirem daí. Até aqui, concordam todos, cristãos, agnósticos, ateus, tradicionalistas ou revolucionários.
A tensão, portanto, estabelece-se apenas no fato de que há uma parcela da sociedade que, a partir de uma radicalização recente, não aceita que haja, como de fato há, uma especificidade na forma de convivência matrimonial entre pessoas heterossexuais, vendo nesta diferenciação um mero preconceito de ordem religiosa e irracional, imposta, em prejuízo da “laicidade do Estado”, a quem pensa como eles. Esta minoria acredita que não haveria motivos de ordem racional para que o matrimônio não pudesse ser estendido para outras formas de relacionamento de cunho sexual e estáveis em algum grau.
Alegam o fato de que as pessoas se relacionam sexualmente de mais formas do que aquela existente no interior do matrimônio entendido como sempre se entendeu até hoje, e que não podem ser discriminadas na sua pretensão de contrair matrimônio civil.
Os ativistas da homoafetividade dizem que o único fundamento para o estabelecimento de um matrimônio é o simples exercício de uma vida sexual de qualquer espécie entre dois (ou mais) parceiros de forma prolongada, e não conseguem ver qualquer fundamento para que se defenda a posição contrária. E tornam-se antidemocráticos quando, diante da dificuldade, por exemplo, dos cristãos mais simples, em articular fé e razão, calam os seus opositores como meros fundamentalistas fideístas que querem impor a fé como fundamento de política pública. Mas estão apenas impondo sua própria opção de sexualidade como fundamento de debate público, contando inclusive com o silêncio de muitos e a cumplicidade de parte da imprensa.
Indiscutível, na verdade, que há sérios motivos, de ordem estritamente racional e jurídica, para entender que equiparar as relações conjugais homoafetivas a casamentos é simplesmente injusto, e corresponde a uma tentativa mundialmente articulada de equiparar o que é diferente, em prejuízo da família como um todo e, portanto, da própria sociedade. Isto é o que afirma a insuspeita (de contaminação religiosa) Corte Constitucional Francesa, em decisão de 27/01/2011, em tradução mais ou menos livre: “que o princípio segundo o qual o matrimônio é a união de um homem e de uma mulher, fez com que o legislador, no exercício de sua competência, que lhe atribui o artigo 34 da Constituição, considerasse que a diferença de situação entre os casais do mesmo sexo e os casais compostos de um homem e uma mulher pode justificar uma diferença de tratamento quanto às regras do direito de família”, entendendo, por consequência, que “não cabe ao Conselho Constitucional substituir, por sua apreciação, aquela de legislador para esta diferente situação”. A Corte francesa considerou ainda que “as disposições contestadas não são contrárias a qualquer direito ou liberdade que a Constituição garante”. A discussão, na França, está ocorrendo agora no Poder Legislativo, em meio a uma grande movimentação popular para um lado e para o outro.
Esta equiparação matrimonial agora forçada, portanto, não tem nada que ver com discriminação injusta e irracional aos homossexuais, senão com a discussão política de uma noção de família que, em nome de uma simpatia muito justa para com o sofrimento das pessoas homossexuais, está sendo alterada para toda a população, não apenas para os homossexuais. Há muito mais em jogo do que o direito de minorias: há a concepção de família que vale para todos, e cuja alteração atingirá a todos.
Injusto é equiparar, para silenciar, os debatedores que defendem a noção tradicional de família a meros “fundamentalistas religiosos” ou a detestáveis “homofóbicos” que espancam homossexuais. São coisas diferentes. Nem todo aquele que defende o matrimônio como especificamente heterossexual é um homofóbico (normalmente não o é), e essa equiparação não é boa para a democracia.
A questão se agrava quando militantes da posição homoafetiva passam a elevar a categoria do “prazer sexual” ao plano dos “direitos humanos” – ao ponto de considerar que os que educam seus filhos com base na sua fé e convicções estão prejudicando essas crianças. Estes militantes passam a querer impor às famílias e a seus filhos em tenra idade suas próprias ideias sobre sexualidade e relações humanas.
Defendem inclusive que o Estado volte-se autoritariamente contra as famílias que não aceitam o modelo homoafetivo de casamento e lhes imponha “kits” de “educação sexual” para formar os filhos alheios contra as convicções paternas e maternas, e “leis de homofobia” contra manifestações familiares ou religiosas que eles unilateralmente julgam inconvenientes ou preconceituosas.
Com todo respeito, sua intromissão é que é indevida, incompatível com a democracia, violadora do princípio da subsidiariedade e pluralidade. É própria de um Estado autoritário. É neste ponto que a categoria dos “direitos humanos” deixa de ser uma categoria de avanço e passa a ser uma categoria de opressão contra os que têm fé e argumentos racionais, mas discordam dos militantes sexuais.

Fonte: http://www.comshalom.org/blog/carmadelio/34149

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