sábado, 9 de fevereiro de 2013

‘Childfree’: homens que acreditam na “libertação” dos filhos pela não procriação e que sentem orgulho disso.


 

Anais Ginori,  La republica.
Um brinde para festejar o feliz evento. “À não paternidade”, levanta a caneca de cerveja Théophile de Giraud, escritor belga de 40 anos que obstinadamente evitou se reproduzir e a partir dessa recusa construiu um pouco de notoriedade. Autor de um “manifesto antinatalista”, é um dos mais famosos intelectuais childless ou, melhor, childfree, segundo a acepção politicamente correta.
Não se trata de um alimento sem alguma coisa (sem transgênicos, sem glúten), mas sim da escolha consciente de não ter filhos, proclamada como um grito de liberdade.
O encontro ocorre todos os anos no bistrô Dolle Mol, reunião anárquica de Bruxelas. Com a festa dos “não pais”, inventada em 2009 e celebrada na primavera entre a Bélgica e a FrançaThéophile é um dos líderes de uma vanguarda (ou retroguarda, dependendo do ponto de vista) cada vez menos silenciosa. O “No Daddy Day” coaliza personagens dos mais diversos: ecologistas, demógrafos, anticapitalistas, libertários.

Para além das motivações, estão todos unidos por um objetivo: não procriar. Livros, manifestações e até canções para reivindicar o que o Nouvel Observateur apelidou de “Nokidland”. Um território sem crianças, justamente enquanto os pequenos são cada vez mais protagonistas da sociedade e cresce a pressão sobre os homens para se conformarem à imagem dos “novos pais”, narrados por filmes hollywoodianos, capas de revistas e propagandas.

Porém, justamente a exaltação do papel paterno também está provocando uma reação de rejeição. Homens que já estão no pós-patriarcado, arrepiam-se diante da palavra “chefe de família”, escapam aos saltos se ouvem os gritos de um bebê para cuidar. Uma minoria, certamente. Mas que está aumentando. Os italianos que ainda não têm 35 anos passaram de 20% para 45% em pouco menos de 20 anos.


Alessandro Rosina, professor de demografia da Universidade Católica de Milão, explica: “Em poucas décadas, passou-se de uma situação em que somente uma pequena minoria chegava sem filhos aos 35 anos a uma em que pouco menos da metade da população masculina posterga para depois desse limite de idade a primeira experiência de paternidade”.

A cota de homens que permanecem sem filhos depois dos 50 anos é de cerca de 20%, contra os 15% para as mulheres. “Mas, na Itália – indica Rosina –, continua havendo uma lacuna entre a fecundidade desejada e a efetivamente realizada”. Alguns italianos sem filhos, na realidade, sonham em tê-los. NaItália, a não paternidade é principalmente a consequência de condições sociais, profissionais, às vezes físicas, em vez de ser uma escolha propriamente dita, como afirma o filósofo Duccio Demetrio, juntamente com Francesca Rigotti, no livro Senza Figli, recém-publicado pela editora Raffaello Cortina.

Nem todo mundo pode se orgulhar como Alberto Moravia, que confessava: “Nunca tive filhos e não me arrependo. Em compensação, tenho os meus livros, a literatura: escrever é quase como criar um filho”. Para muitos outros, ao invés, é um acidente da vida, uma situação mais problemática e sofrida. “Isso não quer dizer que, mesmo na Itália, os movimentos childfree sejam cada vez mais perceptíveis”, conclui Rosina, autor do livro Goodbye Malthus, com Maria Letizia Tanturri

Nos últimos tempos, o antinatalismo tem um argumento a mais: a crise, que assusta com um futuro de pobreza e de conflitos. “Para fazer filhos é preciso amar o mundo”, resume o filósofo francês Christian Godin, autor do livro La fin de l’humanité, em que prevê a autoextinção da espécie, em uma combinação disposta de narcisismo de massa e de pessimismo cultural. 

O orgulho dos “não pais” é um fenômeno recente e ainda pouco investigado, observa Godin, enquanto há uma longa tradição feminina, amplamente documentada. Em 2009, intelectuais como Rossana Rossana e Natalia Aspesi haviam relatado a sua experiência no livro Perché non abbiamo avuto figli, publicado pela Franco Angeli. 

Os primeiros sinais culturais de uma situação masculina correspondente surgem somente agora, ao invés. “É a consequência de uma pressão social aumentada”, continua Godin. Já existe um clichê sobre o desejo de paternidade, como foi por muito tempo para as mulheres. Aquele olhar de condenação ou de espanto que, a partir de uma certa idade, acompanhava principalmente as “não mães” (”Por quê?”, “O que aconteceu?”), já é compartilhado por todos.

Na França, os homens sem filhos aumentaram de 10% para 15%. Justamente no país do babyboom, com a taxa de natalidade mais alta da Europa, o movimento desnatalista ganha adeptos. Foi a psicanalista Corinne Maier que teorizou em 2007 sobre as “40 razões para não ter filhos” no seu panfleto No Kid, publicado na Itália pela Bompiani. Hoje essa mãe arrependida organiza a versão francesa da festa inventada por Théophile de Giraud. Na última edição, Maier se apresentou diante da igreja do Sacré Coeur com seus dois filhos adolescentes.

Futuros “não pais”? “Agora – explica Maier –, os homens também estão acordando e lutam contra a ditadura do familismo”. A ausência de desejo de paternidade provavelmente sempre existiu em algumas pessoas. “Mas tempos atrás o papel do chefe de família era institucional. Hoje se tornou relacional com a obrigação por parte dos pais de construírem sozinhos esse complexo vínculo”, observa Christine Castelain-Meunier, que analisou o fenômeno no seuMétamorphoses du masculin. A maior responsabilidade desses “super pais” ou dos “Mister Moms”, como dizem os norte-americanos com ironia, pode ser assustador.

Os tons dos antinatalistas são muitas vezes polêmicos. “A pior espécie se perpetua”, canta o rapperFuzati no seu recente álbum La fin de l’éspèce. O demógrafo Michel Terrier publicou um panfleto intitulado “Criar filhos mortos: Elogio da desnatalidade”. E àqueles que acusam os “no kids” de serem imaturos, egoístas, misantropos, ele responde: “Não somos provocadores, apenas responsáveis.Qualquer pessoa um pouco lúcida deveria tremer pensando na Terra povoada por 9 ou 10 bilhões de pessoas, sem falar dos 17 bilhões previstos para 2100″. 

Sobre as bandeiras da festa dos “não pais” um dos slogans preferidos é “Save the planet, make no baby”. Da celebração, participam pessoas muito diferentes. O anarquista belga Noel Godin, 67 anos, vem todos os anos, porque “os filhos são uma contribuição para a exploração capitalista”. O escritorDe Giraud, uniforme preto e cabelo punk, se justifica com um pessimismo cósmico, citando Cioran: “A única, verdadeira desgraça é vir ao mundo”. 

Depois, há aqueles que, como Michel Onfray, faz disso uma questão existencial. À fatídica pergunta sobre por que ele não quer filhos, o filósofo hedonista respondeu secamente: “Tenho coisas melhores a fazer”.
Fonte: http://www.comshalom.org/blog/carmadelio

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