quinta-feira, 28 de junho de 2012

Jornalista paraguaio explica “por dentro” o contexto da saída de Lugo.



Fonte: Blog 247
Pelo tamanho do artigo optamos em publicar apenas a parte que fala do Lugo. Antes disso -no artigo- faz uma recapitulação histórica de lutas, vitórias e fracassos do nobre pais irmão.
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“Depois de duas décadas da derrubada de Stroessner, nos aparece Fernando Lugo. Sua história é peculiar. Era bispo de San Pedro, simpaticão e esquerdista, pregava aos sem-terra e parecia não incomodar ninguém, nem os fazendeiros da área. Pelos idos de 2007 o então presidente Nicanor Duarte Frutos, um jovem jornalista eleito pelos colorados deixa clara sua vontade de mudar a Constituição e permanecer no presidência, através do instituto inexistente da reeleição. Seu governo era mais que sofrível e – descupem-nos a imodéstia latreada em nossa história – nós, os paraguaios, não somos dados ao desfrute de mudar nossa Carta Magna ao sabor da vontade de presidente algum. O país se levantou contra a aventura e ele, que o bispo bonachão, justamente por não ser político e garantir que não alimentava qualquer ambição de poder, é escolhido para ser o orador de um grande ato público, com dezenas de milhares de pessoas no centro de Assunção. Pastoral, envolvente, preciso, o Bispo de San Pedro cativou a multidão, deu conta do recado e catalisou imensa indignação da cidadania. A aventura continuísta de Nicanor não foi bem-sucedida, (…) nos aparece um candidato forte à presidência da República: ‘habemus candidatum’! A batina vestia mais que um pastor, escondia um homem frio, ambicioso, ingrato e profundamente amoral.
Seu primeiro problema foi com a Igreja. O Vaticano, certamente por saber algo que nós não sabíamos, vetou sua disposição política. Não, de jeito algum, ele poderia ser candidato. A igreja católica combateu a ditadura do general Stroessner com coragem e ação, mas não queria ocupar a presidência do país. “Roma coluta, causa finita” (“Roma falou, questão decidida”), mas não para Lugo, que deixou seu bispado, despiu a batina e virou às costas a quem lhe educou e lhe acolheu no seu seio. Poucos e corajosos colegas Bispos e padres o apoiaram abertamente. Na última sexta-feira, depois de três anos sem vê-lo ou serem por ele procurados, esses mesmos amigos e apoiadores foram até a residência presidencial pedir – em vão – que Lugo renunciasse à presidência do Paraguay para que se evitasse derramamento de sangue.
Candidato sem partido, entretanto com as simpatias da clara maioria do eleitorado. Filiou-se, pois, a um partido e o escolhido foi o centenário e respeitável PLRA, dos liberais, há mais de 60 anos fora do poder e com a respeitável bagagem de uma corajosa oposição à ditadura stroessnista. Como um Jânio Quadros, Lugo filiou-se ao Partido Liberal Radical Autêntico e usou sua bandeira, sua história e sua estrutura capilarizada em toda a sociedade paraguaia. E depois deu-lhe um adeus de mão fechada, frio e indiferente.
Eleito, desfez-se de todos os companheiros de jornada. Um a um. Stalin não apagou tantos nas fotos oficiais do Kremlin como o ex-bispo o fez. Mas demitiu os mais qualificados, por sinal. Restaram-lhe os cupinchas, os facilitadores de negócios e de festinhas íntimas, os “operadores” e alguns incautos esquerdistas para colorir com as tintas de um risível ‘socialismo guarani’ o governo de um homem que chegou como o Messias e terminaria como um Judas Escariotes.
Lugo poderia emprestar seu nome e sua trajetória de vida política (e pessoal, também) ao mestre Borges e tornar-se uma das impressionantes personagens da “História Universal da Infâmia”. Um infame, não mais que isso! Mal eleito e empossado, sucedem-se escândalos e se revela seu procedimento. Filhos impensados para um supostamente casto Bispo. Vários. Todos jamais reconhecidos ou amparados, gerados com mulheres as mais pobres e sem instrução alguma, uma delas com apenas 16 anos quando da gravidez. Se traíra a sua Igreja, por qual razão não nos trairia? E traiu.
Não passou um mês sequer durante seus três anos de governo sem que viajasse a um país qualquer. Com razão ou sem nenhuma, para conferências esvaziadas ou cerimônias de posse de mandatários sem importância ou relevo para o Paraguay. As pompas do poder o abduziram como a nenhum déspota de república bananeira do Caribe. Os comboios de limusines com batedores estridentes, as festas e beija-mãos, os eternos e maviosos cortesãos do poder, as belas mulheres, as mesas fartas, os hotéis cinco estrelas, a riqueza, a opulência, os “negócios”. O despojado ex-bispo tornou-se grande estancieiro. O presidente que tomou posse calçando prosaicas sandálias como símbolo de humildade, revelou-se um homem vaidoso e fetichista. Como que a vestir a mentira em que ele próprio se tornou, passou a enxergar elegantes e bem-cortadas túnicas encomendadas à alfaiates da celebérrima e caríssima Savile Row, templo londrino da moda masculina. No detalhe, o estelionato (mais um): colarinhos eclesiásticos. Afeiçoou-se a lindas e jovens, digamos, “modelos”, que floriram sua vida e a banheira Jacuzzi que mandou instalar na austera e velha residência presidencial. Muitas delas o precediam mundo a fora, esperando-o em hotéis fantásticos e palácios, nas vilegiaturas internacionais. Viajavam com documentos oficiais. Kaddafi auspiciava passaportes diplomáticos a terroristas, Lugo a prostitutas.
O veto de Itaipu
Sua afeição pelos jatinhos e jatões chegou às raias do fetiche: passou boa parte de seu peculiar mandato a bordo deles. Fretados à empresas de táxi aéreo de outros países, mandados pelos amigões Hugo Chávez e Lula, outras emprestados sabe-se lá por um tais e misteriosos amigos. Chocou-se com o brasileiro Jorge Samek, fundador do PT e competente gestor, que na presidência brasileira da Itaipu resolveu vetar capricho juvenil do ex-bispo e delirante presidente paraguaio: a poderosa binacional compraria um jato para seu uso. Um Gulfstream, quem sabe um Falcon, ou até um brasileiríssimo Legacy, mas ele precisava ardentemente de um jato para chamar de seu. Depois mandou que o comandante da Força Aérea negociasse um Fokker 100, adaptado com suíte e ducha. Nada feito, o raio de ação seria pequeno e ele precisava ganhar o mundo! Por fim, nos estertores de seu governo, entabulava a compra de um Challenger, usado mas chique, de um cartola do futebol paraguaio. O preço, como sempre, mais um escândalo da Era Lugo: pelo menos o dobro de um modelo novo, saído de fábrica…
Obras viárias? Imagine. De infraestrutura? Nenhuma. Modernização do país? Nem pensou nisso. Crescimento econômico? Sim, mas por obra de uma agricultura forte, de empresários jovens e ambiciosos, de uma indústria florescente e de um ministro da economia que destoou da regra geral do governo Lugo: competente e austero, imune às vontades do presidente e distante da escória que o cercava. A cada novo dia, no parlamento, nas redações, nos sindicatos, nos foros empresariais, nos encontros de amigos, um novo comentário, uma nova história de mais uma negociata dos assessores e companheiros de Lugo. Proporcionalmente, nem na ditadura de Stroessner (mais de três décadas), se roubou tanto quanto no governo pseudo-esquerdista de Fernando Lugo (menos de três anos).  Já com Lugo deposto, seu secretário mais forte, Miguel Lopez Perito, telefonou à diretoria da Itaipu solicitando a bagatela de US$ 300 mil para organizar uma manifestação em defesa do governo. Queria ao vivo e a cores, “na mala”, por fora, não contabilizado, no “caixa 2″. Que tal? Fato tornado público por um diretor da binacional e revelador do modus-operandi da verdadeira quadrilha que comandava o país.
O impeachment
Seu processo de “Juízo Político” – algo como um processo de impeachment – está previsto na Constituição do Paraguay, e não foi uma travessura histórica de meia dúzia de líderes políticos ou parlamentares revidando as descortesias de Lugo para com os partidos, os empresários, os paraguayos todos. Que tipo de presidente era esse que teve 73 deputados votando por sua queda contra apenas 1 solitário voto? Que espécie de chefe da Nação era esse que teve 39 votos contrários contra apenas 4 senadores fiéis ao seu desgoverno? Não teve tempo, apenas duas horas para defender-se. Ora, a Constituição não determina tempo, apenas assegura-lhe o direito de defesa, exercido através de competentíssimos advogados, que fizeram exposições brilhantes na defesa do indefensável. Um deles, Dr. Adolfo Ferreiro, admitiu claramente que o processo era legal. De outro, Dr. Emilio Camacho, em imponente ironia da história, os magistrados da Suprema Corte extraíram em um de seus celebrados livros aqueles ensinamentos necessários e a devida jurisprudência para rechaçar chicana jurídica do já ex-presidente contra o processo legal, constitucional e moral que o defenestrou. C’est la vie, Monsieur Lugo!
Em Curuguaty, num despejo de terras ocupadas pelos “carperos” (os sem-terra daquí), dezenas de mortes de ambos os lados. Lugo e seu ministro do interior, o belicoso senador Carlos Filizzola, foram avisados de que havia uma emboscada pronta para as forças militares. Com a empáfia que os caracterizou do primeiro ao último dia, e fiel aos amigos que manejam o MST daquí e infernizam a vida de produtores rurais (entre os quais os 350 mil brasileiros que aquí plantam, colhem e vivem, nossos irmãos “brasiguayos”), ambos ordenaram a ação que se tornou uma tragédia na história de nosso país. Poderia citar, também, o EPP (Exército do Povo Paraguaio), guerrilha formada por terroristas intimamente ligados a Lugo em seus tempos na bispado de San Pedro. Jamais as forças de segurança puderam fazer nada contra eles. Mapeados, identificados, monitorados e soltos: Lugo se manteve fiel aos bandidos pelos quais mostra clara e pública afeição. Como Belaúnde Terry, no Perú, que permitiu com seu “democratismo” o crescimento do terror representado pelo Sendero Luminoso de Abimael Guzmán, Lugo é o pai e a mãe do EPP.
Um hiato na história
Fernando Lugo foi um hiato em nossa história. Necessário, mas sofrido. Seus defeitos superaram suas virtudes. Aqueles eram muitos, essas muito poucas. Nós que nele votamos, sequiosos de um Estadista, nos deparamos com um sibarita. Seu legado é de decepção e fracasso. Não choraram por ele dentro de nossas fronteiras, e os que o defendem foram deles o fazem muito mais pensando no que lhes pode ocorrer do que por solidariedade ao desfrutável governante e desprezível homúnculo que cai.
O fim de seu governo dói mais a um dolorido Chávez do que a nós. A Senhora Kirchner, radical na condenação que nos impõe, se esquece de nossa parceria na importante e gigantesca usina hidrelétrica de Yaciretá, e amplia sua lucrativa viuvez acolhendo em seu seio choroso o decaído amigo. Solidária? Nem tanto, apenas sabendo que se abriu o precedente para que os parlamentos expulsem os incapazes. Na Bolívia o sentimento popular em relação ao sectário e também bolivariano Evo Morales não é diferente do sentimento dos paraguayos por Lugo no outono de sua aventura presidencial. É pior. O relógio da história irá tocar as badaladas do fim de uma aventura mais que improdutiva: raivosa e liberticida.
A posição brasileira
Não compreendemos a posição do Brasil. Ou não queremos compreender, tanto é o bem que lhe queremos. Nos arrasou como sicário da Rainha Vitória e nós lhe perdoamos e juntos construímos o colosso de Itaipu. O tratamos bem e ele defende a continuidade de uma das piores fases de nossa história, em nome do quê? Nega-nos o direito à autodeterminação, mas se esquece do papelão ridículo que fez em defesa de um cretino como Zelaya, um corrupto ligado a grupos somozistas de extermínio e que era tão esquerdista como Stroessner e democrático como Pinochet.
Foi deplorável o papel do chanceler Patriota (que não se perca pelo nome), saracoteando pelas ruas de Assunção em desabalada carreira, indo aos partidos Liberal e Colorado pressionar em favor de um presidente que caia. Adentrando o Parlamento ao lado do chanceler de Hugo Chávez, o Sr. Maduro, para ameaçar em benefício de um presidente que o país rejeitava. Indo ao vice-presidente Federico Franco ameaçar-lhe, com imensa desfaçatez, desconhecendo seu papel constitucional e o fato de que ninguém renunciaria a nada apenas por uma ameaça calhorda da Unasul (que não é nada) e outra ameaça não menos calhorda do Mercosul (que não é nada mais que uma ficção). O Barão do Rio Branco arrancou seus bigodes cofiados no túmulo profanado pelo Itamaraty de hoje. O que quer o governo Dilma? Passar pelo mesmo vexame de Lula na paupérrima Honduras? Se afirmativo, já fica sabendo que passará. Nós temos imensa disposição de continuar uma parceria que se relevou positiva e decente para ambos os países. Mas não temos da austera presidente o mesmo terror-medo-pânico que lhe devotam seus auxiliares e ministros. Cara feia não faz história, apenas corrói biografias. Dilma chamou seu embaixador em Assunção e Cristina fez o mesmo. As radicais matronas só não sabiam que: o embaixador brasileiro é um ausente total, vivendo mais tempo em Pindorama do que por aqui. Recorda o ex-embaixador Orlando Carbonar, que foi pego de surpresa em fevereiro de 1989 pelo movimento que derrubou o general Stroessner. Até meus filhos, crianças na época, sabiam que o golpe se avizinhava e que estouraria a qualquer momento, menos o embaixador brasileiro, que descansa no carnaval de Curitiba, sua cidade natal. Voltou às pressas, num jatinho da FAB, para embarcar Stroessner rumo ao Brasil. E a Argentina… Bem, a Argentina não tem embaixador no Paraguay faz alguns meses… Ocupadíssima, Dona Cristina não nomeou seu substituto.
O Paraguay fez o que tinha que fazer. Seguirá adiante, como seguem adiante as Nações, testadas e curtidas pelas crises que retemperam e reforçam os povos. O religioso que não honrou seus votos de castidade e pobreza e traiu sua igreja, foi por ela rejeitado. O presidente que não honrou nossos votos e nos traiu, foi por nós deposto. Deposto por incapaz, por mentiroso, por ineficiente. Mas, principalmente, por que traiu as esperanças de um país e um povo que precisaram dele e nele confiaram e ele os traiu a todos. E, por isso, Lugo não voltará.
(*) Chiqui Avalos é conhecido escritor e jornalista paraguaio. Combateu a ditadura de Stroessner e apoiou a candidatura de Fernando Lugo. É o editor de “Prensa Confidencial”, influente boletim digital editado no Paraguai.

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