512 anos após a Missa que oficializou a fundação do Brasil, o sagrado símbolo da Cruz é retirado do recinto de Tribunais: grave sintoma de irreligiosidade, contrário aos sentimentos e à tradição do nosso povo.
Frederico R. de Abranches Viotti
Era a manhã de uma sexta-feira quando o Filho de Deus passou por Jerusalém carregando o símbolo dos criminosos: a Cruz, sobre a qual morreria. O símbolo dos criminosos era ali levado pelo inocente, condenado pela covardia daquele juiz que preferiu lavar suas mãos e omitir-se ao invés de aplicar a justiça.
O sacrifício da Cruz é o ápice de toda a obra Redentora. Como uma nova estrela de Belém que guiou os Reis Magos até o Menino Jesus, a Cruz indica o caminho da salvação para a humanidade redimida, atraindo-a a fazer o bem e a evitar o mal.
Durante séculos, a Cruz foi vencendo o paganismo, aplacando as injustiças e formando a mentalidade dos homens e das instituições, que vieram a constituir, posteriormente, a realidade conhecida como o mundo ocidental e cristão. Em memória disso, no centro da Praça de São Pedro, no Vaticano, há um grande obelisco encimado pela Cruz de Cristo, representando o triunfo da Fé sobre o paganismo. “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32).
Era a misericórdia da Cruz substituindo as arenas romanas e a cólera guerreira dos bárbaros. O Império Romano desabou com a invasão dos bárbaros e se converteu pelo exemplo dos cristãos. Onde antes imperavam “deuses” criados à imagem dos defeitos humanos, entrava agora o Deus que ensinava a moral, elevando os homens a uma dignidade superior a seus defeitos, libertando-os do peso do pecado e introduzindo o autêntico conceito de justiça.
A Cruz, símbolo da Justiça
A justiça não era mais um capricho da Roma pagã — ou a aplicação fria de um princípio abstrato –, mas um ato de equidade que devia transparecer com bondade e sabedoria, resolvendo conflitos inerentes a toda vida em sociedade.
Na sociedade ocidental e cristã, a Cruz está no fundamento da Justiça. Foi nessa região do mundo que se desenvolveu o nosso sistema legal e jurisdicional, foi sob o influxo dos princípios cristãos que se buscou estabelecer o que é justo e legítimo e, em consequência, definir o que deve ser legal ou ilegal.
Ademais, a Cruz é uma lembrança constante de como a Justiça deve ter cuidado para não ser injusta. Assim como o supremo inocente, Nosso Senhor Jesus Cristo, foi condenado pelo supremo covarde, Pôncio Pilatos, deve o julgador estar atento para não cometer o mesmo absurdo.
Pôncio Pilatos teve medo daquela aparente maioria que pedia a morte do inocente. Em nome dessa maioria, ele sacrificou a verdade. A Justiça, sob o signo da Cruz, deve lembrar sempre que a busca da verdade — e não a busca do aplauso — é a obrigação primeira. Também por isso, está a Cruz presente nas salas de audiência e julgamento em nosso País, lembrando constantemente não apenas as obrigações do juiz para com a verdade, mas a origem e a finalidade da Justiça.
A quem, então, incomoda a Cruz?
Quando o governo federal lançou o novo Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), vários grupos católicos chamaram a atenção para a incompatibilidade desse plano com a moral católica. Em poucas palavras, se aplicado, o PNDH-3 levaria a uma verdadeira perseguição religiosa no Brasil.
Um dos itens previstos nesse PNDH era a retirada de crucifixos de repartições públicas e tribunais.
A Cruz incomoda o movimento de homossexuais. Desagradada pela presença do crucifixo no Tribunal do Rio Grande do Sul, certa Liga Brasileira de Lésbicas, entrou com “pedido” junto ao Conselho de Magistratura do Tribunal de Justiça do estado (TJ-RS) para que os crucifixos fossem retirados das salas daquele órgão do Poder Judiciário.
Segundo noticiado pela imprensa, o referido Conselho de Magistratura acatou esse pedido por unanimidade, ordenando a retirada dos crucifixos. O relator da matéria foi o desembargador Cláudio Baldino Maciel, que considerou necessário retirar os crucifixos das salas de julgamento por ser esse o “único caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de um Estado laico, devendo ser vedada a manutenção dos crucifixos e outros símbolos religiosos em ambientes públicos dos prédios”. Com isso, argumenta o desembargador, estaria se demonstrando que o Estado-juiz é equidistante de todos os valores.
Na realidade, o “Estado-juiz”, ao pretender retirar os crucifixos, está demonstrando abraçar outros valores, diversos daqueles que estão representados no Crucifixo.
Mas não é só isso. O Brasil é um Estado laico desde a proclamação da República, em 1889, ou seja, há 122 anos. Se a presença do crucifixo fosse contrária ao laicismo brasileiro, ele teria sido retirado em 1889, e não em 2012.
Mesmo sendo o Brasil um Estado laico, sua sociedade é profundamente religiosa. O Poder Judiciário, um dos três poderes do Estado, não existe meramente como uma abstração legal, mas existe dentro da realidade desse país que é o Brasil, dessa sociedade de brasileiros que vivem em nosso território. Um território descoberto por caravelas que aqui aportaram ostentando a Cruz de Cristo, tendo como primeiro ato oficial uma santa Missa, e em cujo céu figura, luminoso, o Cruzeiro do Sul. Um país que tem no Cristo Redentor um de seus mais conhecidos cartões-postais e cujas cidades adotaram não raramente nomes de santos.
Por essas e outras, a própria Constituição do Brasil começa pedindo a “proteção de Deus” em seu preâmbulo, deixando patente que o laicismo, como entendido em nosso País, não é contrário à religião e não pode ser usado como um instrumento a serviço da cristianofobia, isto é, dessa tendência, em ascensão em várias partes do mundo, de perseguir o cristianismo e seus adeptos.
Não estranha, nesse sentido, que os mesmos julgadores que decidiram retirar os símbolos cristãos, possam conviver pacificamente com os símbolos pagãos como a estátua da deusa Themis, ostensivamente colocada na fachada do Palácio de Justiça de Porto Alegre.
A decisão do Conselho de Magistratura do TJ-RS abre um perigoso precedente nessa matéria, indicando não apenas uma tentativa de reinterpretar o laicismo no Brasil, mas também criando um verdadeiro divórcio entre o Estado e a sociedade.
O Laicismo, uma nova religião?
Se não bastasse tudo isso, há um problema de fundo que fica evidenciado com a decisão de retirar crucifixos das salas de audiência do TJ-RS.
O laicismo agressor, no Brasil, sempre foi mitigado pela religiosidade da população, respeitando limites, sem interferir na esfera religiosa. Contudo, se a pretexto do laicismo o Estado passar a “regular” a prática religiosa (mesmo em prédios públicos), ele estará quebrando esses limites.
Em outros termos, retirar símbolos religiosos em nome do laicismo é o mesmo que dizer que cabe ao Estado decidir o que a sociedade pode ou não pode fazer em matéria de expressão religiosa. O laicismo acaba assim sendo perigosamente transformado em um valor religioso, numa religião oficial do Estado laico.
Religiosos e Juristas discordam da decisão do TJ-RS
O Conselho de Magistratura do TJ-RS não foi o primeiro a tratar dessa matéria. Dom Keller, bispo de Frederico Westphalen (RS), em nota pastoral, lembra que o Conselho Nacional de Justiça, em junho de 2007, analisou questão análoga e decidiu que a presença de crucifixos em dependências de qualquer órgão do judiciário “não viola, não agride, não discrimina e nem sequer perturba ou tolhe os direitos e a ação de qualquer tipo de pessoa”.
Em sua nota pastoral, Dom Keller lamenta que o tribunal de Justiça tenha se dobrado “diante da pressão de um grupo determinado, ideologizado e raivoso, contrariando a opinião da grande maioria da população do Estado do Rio Grande do Sul”.
Também a Associação de Juristas Católicos discordou da decisão do Conselho de Magistratura do TJ-RS e enviou representação ao tribunal solicitando a reconsideração da medida.
Por sua vez — noticiou a “Folha de S. Paulo” –, “dois desembargadores declararam oposição à medida e anunciaram que não vão retirar o símbolo religioso de suas salas até que haja decisão definitiva sobre o caso. Um dos desembargadores que se opõem à decisão, Carlos Marchionatti, diz que o Conselho da Magistratura não é a instância adequada para tratar do assunto e que a separação entre Igreja e Estado não é absoluta no país. A maioria tem sentimento religioso, o hino nacional tem referência à divindade. Cristo, no âmbito do Judiciário, representa a Justiça”, diz. Em artigo, o ex-ministro da Justiça e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Paulo Brossard, criticou a medida como sinal de “tempos apocalípticos” (FSP, 17-3-12).
Conclusão
A interpretação do Conselho de Magistratura do TJ-RS parece ignorar a realidade brasileira ao defender uma espécie de “ação afirmativa” (um laicismoproativo), querendo obrigar a uma mudança profunda nas raízes religiosas e culturais da nação brasileira.
Esperemos que a reação da sociedade a essa medida seja suficientemente clara e firme para derrubá-la, pois a Cruz não é um incômodo, mas sim um farol lembrando a todos que devemos fazer o bem e, em particular aos juízes, que devem julgar segundo os princípios da Justiça.
Mas se, pelo contrário, prevalecer essa nova interpretação do laicismo no Brasil, não tardará aparecer quem proponha arrancar o Cristo Redentor do alto do Corcovado. Ou que sejam alterados os nomes das cidades como São Paulo, Santa Catarina, Santa Rita, São Pedro e tantos e tantos outros lugares deste nosso imenso Brasil, outrora também conhecido como Terra de Santa Cruz.
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