sábado, 31 de março de 2012

Harry Potter: o sinistro e diabólico anti-conto de fadas



Frankfurt — Em fins do ano passado deu-se no mundo inteiro um dos mais espetaculares lançamentos de uma obra literária para crianças e jovens. Trata-se da edição do quarto livro da série Harry Potter. A obra, com nada menos que 767 páginas, intitulada Harry Potter e o cálice de fogo, da autora escocesa Joanne Rowling1, despertou um interesse estrondoso, criando mesmo aquilo que se chamou de “pottermania”.
Só na Alemanha esgotaram-se em tempo recorde centenas de milhares de exemplares da obra. Em Frankfurt, mas também em outras grandes cidades, já de madrugada, enfrentando o frio cortante do inverno incipiente, filas enormes de leitores formavam-se junto às portas das livrarias, ansiosos por serem os primeiros a ter em mãos o “precioso” livro…
Imensa foi a orquestração mediática em torno dessa obra destinada ao público infanto-juvenil: tema tratado praticamente por todos os jornais, revistas e televisões, os quais por sua vez atiçaram a curiosidade geral.
A autora, cujos quatro livros tornaram-se best-sellers com uma tiragem superior a 100 milhões de exemplares em todo o mundo, perfila-se hoje entre os escritores mais lidos do mundo. Um mês depois do apoteótico lançamento do quarto volume de Harry Potter, Rowling recebia da Universidade de Exeter o título de Doctor honoris causa em filologia. Sucesso vertiginoso, quando se considera que há apenas sete anos ela chegava a Londres, divorciada de um jornalista português, com uma filha de um ano, uma mala cheia de manuscritos e sem um centavo no bolso. Hoje, Joanne Rowling vai ganhando prêmios de literatura um após outro. E já é a terceira mulher mais rica da Inglaterra.
Na origem dessa meteórica ascensão encontra-se, sem dúvida, a propaganda torrencial da mídia. Porém, o apoio publicitário não explica tudo. Parte importante no sucesso da escritora escocesa advém, infelizmente, da apetência de numerosos leitores por um mundo tenebroso, oculto e misterioso, que se desvela ao longo das peripécias de Harry Potter e seus amigos. Tal apetência também parece explicar o extraordinário sucesso de bilheteria alcançado nos Estados Unidos pelo filme Shrek, produzido no estúdio do cineasta Spielberg, que apresenta um gigante ogro monstruoso. Apesar de repelente, Shrek vem atraindo legiões de espectadores!
Adeus ao mundo maravilhoso das fábulas e contos de fada
A literatura infantil dos últimos séculos caracterizava-se por alimentar nos jovens leitores a apetência do maravilhoso, incrementar nas almas o senso de contradição entre o bem e o mal, despertar o horror pelo hediondo e o amor pelo sublime. Mostrar ainda que, apesar de todos os sofrimentos, de todos os reveses desta vida, de todas as armadilhas preparadas pelos maus contra os bons, a felicidade alcançável nesta terra é a que resulta da prática da virtude, da perseverança nas vias do bem; é esta sempre a melhor opção. Candura, inocência, desejo de um mundo fabuloso — uma espécie de pré-figura do Céu — que venha ao encontro das mais puras e elevadas aspirações do coração.
Por outro lado, o mundo dos maus, com sua fealdade, seu hediondo, suas trevas e traições, seus ódios e invejas, tudo isso lembrava o horror da “societas scelerum” (sociedade dos celerados), que é o inferno. E assim elevava-se para as crianças um grande ideal de vida: amar o bem e odiar o mal, praticar a virtude e execrar o vício, abrir-se ao sublime e, nesta ascensão de perfeição em perfeição, de maravilhoso em maravilhoso, ao fim desta invisível escada de Jacó, encontrar a Deus, supremo Bem, infinita Perfeição.
Deste modo, sem mencionar sequer uma frase do Catecismo, eram os contos de fada um possante instrumento para preparar as jovens almas a abraçarem o bem e rejeitarem o mal, em suma, a amar a Deus e odiar o demônio.
Da Condessa de Ségur a Rowling: uma queda vertiginosa
Esse alto valor pedagógico dos contos infantis representou, na Alemanha do século XVI, uma poderosa arma da Contra-Reforma católica no combate à obra destrutiva da pseudo-reforma luterana. E no século XIX os irmãos Grimm tornaram-se famosos por sua obra de compilar e difundir os contos de fada, que até então em grande parte circulavam de boca em boca.
Concomitantemente, na França os escritos da Condessa de Ségur — que aliás não eram contos de fadas — exerceram influência igualmente benéfica na formação de sucessivas gerações. Fazendo com que o enredo e os personagens de seus livros tratassem de espinhosos problemas da vida diária do pequeno mundo infantil, numa linguagem atraente, leve, elevada e nobre, ela convidava implicitamente seus jovens leitores a tomarem um perfil moral, cujas notas tônicas eram a honestidade, a lealdade, a nobreza de caráter, a cortesia no trato, a elevação de espírito, a inocência em suma. Talvez muitos leitores se recordarão ainda de O albergue do anjo da guarda, O general Durakine,Os dois bobinhosAs memórias de um asno, para citar apenas alguns de seus livros mais famosos.

O mundo hediondo do demônio
Ora, nada dos elementos de formação do caráter, que abundavam na antiga literatura infanto-juvenil, encontramos na série de Harry Potter. O que nela se encontra é bem exatamente o contrário. É a iniciação no mundo do preternatural, da bruxaria e da magia, dos seres hediondos e repelentes. A série de Harry Potter revela-se assim uma possante preparação das almas e das mentes para inicialmente tomar como natural um mundo anticristão, e depois abrir-se a um mundo de horror e trevas, que configura o reino do demônio. Reino este almejado pela Revolução gnóstica e igualitária que há séculos vem minando a Civilização Cristã, como descreve o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em sua obra-mestra Revolução e Contra-Revolução4.
Aliás, a própria Joanne Rowling confessa implicitamente este caráter anticristão de sua obra ao afirmar a importância que atribui ao elemento“magia”. Numa entrevista concedida na cidade de Tüginben, Rowling afirmou sem rebuços: “As crianças necessitam da magia, porque elas mesmas são muito fracas” .
O enredo
A série de Harry Potter comportará sete volumes, quatro dos quais já publicados. No primeiro, Harry Potter e a Pedra Filosofal , pode-se ler como Harry, órfão de um ano de idade, é adotado por tios que o desprezam por ser um bruxinho e o tratam com brutalidade. Contam-lhe que seus pais morreram num acidente de carro. Porém, quando completa 11 anos, fica sabendo que, de fato, seus pais não morreram num desastre, mas assassinados por um bruxo maléfico, Lord Voldemort. Harry só escapou da morte graças ao sacrifício de sua mãe, que o protegeu com seu corpo. Restou-lhe, porém, impressa na testa uma cicatriz em forma de raio, a qual lhe provoca dores cruciantes sempre que Lord Voldemort está em seu encalço. Convidado a freqüentar a Escola de Feitiçaria de Hogwarts, torna-se amigo de Rony e Hermione, dois bruxinhos de mesma idade, e com eles experimenta toda espécie de aventuras.
Tais aventuras, que ocorrem ao longo dos sucessivos anos letivos na Escola de Bruxaria de Hogwarts, vão crescendo gradualmente em suspense. Tanto o segundo volume, Harry Potter e a Câmara dos Segredos, quanto o terceiro, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, têm seu ponto alto em enfrentamentos de Potter com seu antagonista Voldemort. No quarto volume, Harry Potter e o Cálice de Fogo, a fantasia das peripécias não encontra limites e o grau de preternatural demoníaco vai se acentuando cada vez mais, culminando na cena da reencarnação de Lord Voldemort.
Numa ação horripilante, durante a noite e num cemitério, o bruxo maléfico — que estava reduzido a uma espécie de esquálido e hediondo ser fetal, de olhos vermelhos e pele escamosa — readquire seu corpo inteiro a partir de um elixir. Os ingredientes deste são ossos retirados do túmulo de seu pai, de carne da mão (decepada no momento) de Rabo de Verme, o único servo que lhe restara, e o sangue retirado das veias de Harry Potter, que, amarrado numa pedra sepulcral, assiste impotente à cena, enquanto a cobra Nagini, igualmente servidora e companheira inseparável de Voldemort, arrasta-se célere em torno do sepulcro.
A luta entre o mal … e o mal
Potter surge ao longo da obra — toda ela túmida de preternatural e de cenas horripilantes, onde seres hediondos aparecem a cada instante — como um menino eleito. Sim, porque não se trata de um menino como os outros. É um aprendiz de feiticeiro, mas bonzinho. Com seus amigos, igualmente bruxinhos, vai à escola (de bruxaria, bem entendido) , participa de jogos, escreve cartas a seus conhecidos, sofrendo porém, continuamente, insídias e ataques pérfidos de bruxos das trevas, oscomedores da morte, comandados por Lord Voldemort.
Assim se apresenta na obra a perspectiva da suposta luta entre o “bem e o mal”, por onde Potter e seus amigos seriam bruxos do bem. Os bruxos do mal são violentos e odientos; os do bem, o mais das vezes, benévolos e pacíficos. Sim, porque às vezes Harry se deixa levar pelo ódio. Em relação ao professor Snape, um de seus piores inimigos, “ele imagina como as coisas mais terríveis poderiam atingi-lo… Se ele pelo menos soubesse como funciona a maldição Cruciatus, … esmagaria Snape no chão, como esta aranha, e o faria debater-se” .
Ademais, trata-se aqui de bruxos bons, que convivem em harmonia plena com toda espécie de horrores e monstruosidades. Um exemplo: Lupin, um dos professores preferidos de Potter, mestre de “Proteção contra Artes Mágicas”, acaba se revelando lobisomem, e por isso é obrigado a abandonar a escola. Para grande pesar de Potter…
Confusão entre a noção de bem e de mal
Esse é um dos aspectos mais graves e deletérios da obra de J. Rowling: a relativização do conceito de bem e mal. Com efeito, a luta entre um e outro se desenvolve: a) não no plano dos princípios da moral, mas no da violência/não-violência; b) num mundo sem Deus, diferente daquele onde vivem os trouxas, homens profanos à bruxaria, ou seja, os cristãos.
Por outro lado, a despretensão e a coragem, a simplicidade e a intrepidez de Potter, um menino desvalido e perseguido à outrance por um bruxo maléfico e poderoso, ademais do enredo cheio de surpresas e de momentos de grande suspense, são uma isca poderosa que prende o leitor jovem e encadeia-o na leitura de textos absolutamente repugnantes, introduzindo-o e adaptando-lhe a mente ao mundo da bruxaria e da magia. É o mundo no qual existe uma reversibilidade contínua entre o bem e o mal, o belo e o horrendo. Ora, essa reversibilidade não é outra coisa senão a doutrina gnóstica em estado puro, doutrina essa reiteradamente condenada pela Igreja Católica desde os primórdios do Cristia nismo.
A exigüidade deste artigo não permite longas e exaustivas citações. Porém, alguns trechos tirados dos quatro volumes de Harry Potter talvez possam transmitir uma idéia do teor da obra e de seu caráter pernicioso, sobretudo pa ra as crianças11.
Os “dementadores”: esvaziadores de mentes
Do cárcere escapara um prisioneiro tido como assassino implacável. Sirius Black, o delinqüente foragido, estaria à procura de Potter para matá-lo. Preocupado com a segurança deste, o diretor da Escola de Bruxaria de Hogwarts manda vir os temíveis guardas da prisão de bruxos de Azkaban, os assim chamados dementadores, para que vigiem o castelo. O pequeno bruxo toma contato com um dos guardas numa viagem de trem, quando se dirigia à escola para o início do ano letivo:
Encontrava-se de pé junto à porta, iluminada pelas chamas bruxuleantes que vinham das mãos de Lupin, uma figura envolta num manto e que chegava até o teto. Sua face estava totalmente escondida sob o capuz. Os olhos de Harry voltaram-se para o alto, e o que ele viu fez seu estômago revirar. Havia uma mão saindo da capa, e ela brilhava, cinzenta, gosmenta e escalavrada, como algo morto que tivesse apodrecido na água. … E a coisa envolta pelo capuz, qualquer que ela fosse, respirou longa e matraqueadamente, como se estivesse tentando sorver algo mais do que o ar ambiente. Um frio intenso envolveu a todos. Harry sentiu a respiração presa em seu peito. O frio lhe atravessava a pele, estava dentro de seu peito, dentro de seu próprio coração” .
Os “dementadores” esvaziam a mente de seus vigiados. Daí o nome. O pavor que o “dementador” de Azkaban incutiu foi de tal modo intenso, que Harry caiu desmaiado. É como se tivesse contemplado um demônio.
De fato, um demônio e sua ação não seriam descritos de modo diferente. Lupin, o lobisomem, explica a seus alunos que os “dementadores”“estão entre as criaturas mais malignas que vagam pela terra. Infestam os lugares mais escuros e imundos, se comprazem com a decomposição e o desespero, tiram a paz, a esperança e a felicidade do ar à sua volta. Até os trouxas sentem sua presença, embora não possam vê-los. … Se puder, o dementador se alimentará de você o tempo suficiente para transformá-lo em algo semelhante a ele, um ser sem alma e pérfido”.
O padrinho de Harry
Harry descobre por fim que Sirius Black não estava à sua procura para lhe fazer mal. Pelo contrário, é seu padrinho e fora um dos melhores amigos de seu pai. Assim Rowling traça o perfil de Sirius Black — um bruxo que, quando necessário, toma a forma de um imenso cachorro —, com o qual Potter deseja doravante morar:
Uma massa de cabelos imundos e emplastrados lhe caía até a altura dos cotovelos. Se os olhos não estivessem brilhando do fundo das escuras covas oculares, ele bem que poderia ser tomado por um cadáver. A pele ensebada estava de tal modo esticada sobre os ossos de sua face, que esta parecia uma caveira. Um sorriso irônico fazia aparecer-lhe os dentes amarelados. Era Sirius Black” .
Harry e o diálogo com as serpentes
Um dos animais que mais horroriza o homem é a serpente. Foi sob a forma deste réptil que o demônio tentou Eva. E desde a queda original a cobra simboliza o maligno. Por isso mesmo, a representação da serpente encontra-se em todos os ritos satânicos. Porém, quando se trata de Potter, o aspecto tenebroso do trato com as cobras como que desaparece. E vem apresentado pela autora como uma qualidade a mais de Harry, ofidioglota à maneira de Lord Voldemort, o bruxo das trevas que domina a “língua das cobras” e com elas conversa. O que faz de Harry um bruxo muito especial. Seus colegas o interpelam a respeito:
“— Um ofidioglota! — disse Rony. — Você é capaz de falar com as cobras!
— Eu sei. Quero dizer, é a segunda vez que faço isso. Uma vez no zoológico eu açulei, por acaso, uma jibóia contra o meu primo Dudley, uma longa história… ela estava me contando que nunca tinha estado no Brasil, e eu meio que a soltei sem querer”.
Universo de coisas asquerosas: plantas purulentas…
O asqueroso — e não mais a contínua procura do bonum, verum, pulchrum (bom, verdadeiro, belo), que deve ser o objeto de uma sólida educação — está igualmente presente nas aulas a que Harry assiste em Hogwarts.
A professora Sprout, “uma bruxinha atarracada que usava um chapéu remendado sobre os cabelos soltos, que geralmente tinha uma grande quantidade de terra nas roupas, e cujas unhas fariam tia Petúnia desmaiar”, mostra “aos alunos as plantas mais horríveis que Harry jamais houvera visto. De fato, elas se pareciam menos com plantas do que com gigantescos caramujos que se elevavam verticalmente do solo, contorcendo-se e dobrando-se. Em suas hastes traziam pústulas grandes e brilhantes, cheias de uma substância líquida.
— ‘Essas plantas são os Bubotubler, disse-lhes vivamente a professora Sprout. ‘Elas devem ser espremidas. Aí vocês podem recolher o pus…
— ‘O quê?’, perguntou Seamus Finnigan com nojo.
— ‘O pus, Finnigan, o pus’, respondeu a professora Sprout, ‘e ele é altamente valioso, portanto não o joguem fora. É preciso recolhê-lo’.
Espremer os Bubotubler foi uma tarefa asquerosa, mas que produzia de certo modo contentamento. De cada uma das pústulas, que espremiam, corria uma grande quantidade de líquido verde-amarelo, que recendia fortemente a gasolina…” 17.
… Rony e as lesmas
O nojento está presente ao longo de toda a obra. Rony, o grande amigo de Harry, lança um feitiço contra um colega que o odeia. Porém, sua varinha de condão bate-lhe no corpo e o efeito volta-se contra ele. E passa a vomitar ininterruptamente vermes:
Rony abriu a boca para falar, mas não saiu nada. Em vez disso, soltou um poderoso arroto e várias lesmas caíram de sua boca para o colo. O time da Sonserina ficou paralisado de tanto rir. … Draco caíra de quatro, dando murros no chão. Os alunos da Grifinória agrupavam-se em torno de Rony, que não parava de arrotar lesmas enormes” .
Banquete na masmorra: macabro aliado ao nojento
Em Harry Potter o repugnante não encontra barreiras nem limites. Assim Harry descreve um banquete para o qual ele e seus amigos haviam sido convidados. Na descrição do banquete, que se realiza nas masmorras do castelo de Hogwarts, nota-se novamente a mistura do belo com o hediondo, quando a autora se refere por exemplo aos peixes podres servidos em travessas de prata:
A masmorra continha centenas de pessoas esbranquiçadas e translúcidas, a maioria deslizando por uma pista de dança, valsando ao som medonho de trinta serrotes musicais, tocados por uma orquestra reunida em cima de uma plataforma drapeada de negro. … Parecia que estavam entrando numa câmara frigorífica. … Passaram por um grupo de freiras soturnas, um homem vestido de trapos que usava correntes e o Frade Gordo, o alegre fantasma da Lufa-Lufa, que conversava com um cavalheiro que tinha uma flecha espetada na testa. Harry não se surpreendeu ao ver que os outros fantasmas se distanciavam do Barão Sangrento, um fantasma da Sonserina, muito magro, de olhos arregalados e coberto de manchas de sangue prateado. … Do lado oposto da masmorra havia uma longa mesa, também coberta de veludo negro. Aproximaram-se pressurosos, mas no instante seguinte pararam de chofre, horrorizados. O cheiro era bem desagradável. Grandes peixes podres estavam dispostos em belas travessas de pratas; bolos carbonizados arrumados em salvas; havia uma grande terrina de picadinho de miúdos de carneiro cheio de vermes… e o orgulho do buffet, um enorme bolo cinzento em forma de sepultura, com os dizeres em glacê de asfalto” .
Um “fogo agradável” e uma língua imensa e gosmenta de serpente
Com a permissão de seus parentes trouxas, Potter deve passar parte de suas férias em casa de uma família de bruxos, seus amigos. Esses chegam através da lareira. Na saída, um dos colegas de Harry deixa cair de propósito uma bala enfeitiçada, logo engolida por seu primo trouxa, o guloso Dudley. Aqui, ao nojento une-se o horror. A língua do menino cresce e incha, a ponto de ficar como uma imensa serpente píton gosmenta.
“ ‘Até logo’, disse Harry, e colocou os pés nas chamas verdes. Eram agradáveis e transmitiam uma sensação de um sopro quente. Neste momento, porém, ouviu-se um horrível som de engasgo, e a tia Petúnia começou a gritar. Harry voltou-se. Dudley … estava ajoelhado junto à mesa de café, engasgado com uma coisa comprida, avermelhada e gosmenta que lhe saía da boca. Harry viu logo que esta coisa gosmenta era a língua de Dudley” .
Os diabretes da Cornualha: espírito diabólico de destruição
Em meio a toda espécie de seres estranhos que aparecem ao longo dos quatro volumes já editados, como os animagi (homens que se transformam em animais), os hipogrifos (seres meio cavalo, meio águia), as aranhas do tamanho de cavalos e árvores que chicoteiam etc., entram em cena também diabretes. Uma maneira eufemística de falar do demônio.
Assim, Lockhart, professor de Proteção contra Artes Mágicas, traz um dia para a sala de aula diabretes de cor azul-elétricodiabolicamente astutos, de vinte centímetros de altura:
Foi um pandemônio. Os diabretes disparavam em todas as direções como foguetes. Dois deles agarraram Neville pelas orelhas e o ergueram no ar. Vários outros voaram direto pelas janelas, fazendo cair uma chuva de estilhaços de vidro. Os demais se puseram a destruir a sala de aula com mais eficiência do que um rinoceronte desembestado. Agarraram tinteiros e salpicaram a sala de tinta, picaram livros e papéis, arrancaram quadros das paredes, viraram a cesta de lixo, pegaram as mochilas e os livros e os atiraram contra as vidraças quebradas; em poucos minutos, metade da classe estava abrigada embaixo das carteiras, e Neville pendurado no teto pelo lustre de ferro” .
Se a autora quisesse preparar seus jovens leitores para uma real aparição do demônio, poderia perfeitamente ter escrito o que escreveu.
Antítese entre antecâmara do inferno e pré-figura do Céu
Tal é o mundo de horrores proposto — com base numa gigantesca máquina de propaganda mediática— a dezenas de milhões de leitores de Harry Potter nos cinco continentes da Terra. Um mundo dominado pela magia, habitado por seres que parecem brotados de uma mente alucinada, no qual, por assim dizer, todos os sentidos são agredidos pelo monstruoso, de modo tal que já se vai tendo uma antevisão e um antegosto do que possa ser o inferno.
Os grossos volumes de Harry Potter procuram de modo sutil incutir no leitor a idéia de que o mundo real é invisível e mágico, no qual vivem os bruxos. Aí é que as coisas de fato importantes se decidem. A sociedade dos trouxas, dos homens comuns, constituiria um mundo de segunda classe, estúpido, sem graça, banal.
A obra da escritora Joanne Rowling toma assim um caráter de iniciação nos mistérios da feitiçaria, da magia e do ocultismo, enquanto porta de acesso a este novo mundo anticristão, que não é outra coisa senão uma pré-figura do reino do demônio.
Objetar-se-á que o reino de bruxos e feiticeiras desvendado em Harry Potter não passa de mera fantasia de literatura infanto-juvenil. Sem dúvida. Mas também é indubitável que tal fantasia prepara — e de modo possante — as almas para um estado de coisas que se encontra bem exatamente nos antípodas do Reino de Maria previsto por Nossa Senhora em Fátima. E anelado por grandes santos como São Luís Grignion de Montfort e eminentes pensadores católicos como o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Sim, do Reino de Maria, futuro ápice da Cristandade, quando Nossa Senhora reinará sobre os corações, fazendo da sociedade humana uma antecâmara do Céu.
Notas
1. Título original inglês: Harry Potter and the Goblet of Fire. As citações deste volume no presente artigo foram extraídas da edição alemã Harry Potter und der Feuerkelch, Carlsen, Hamburg, 2000.
2. Ver por exemplo: “O Estado de S. Paulo”, 23-6-2001, Caderno 2.
3. Engana-se rotundamente quem pensar que a leitura de Harry Potter atrai somente crianças e jovens. De fato, pessoas de todas as idades estão lendo essa obra. Norbert Blum, ex-Ministro do Trabalho da Alemanha e membro do CDU, referindo-se ao sucesso da série, declarou: “Depois que devorei os três primeiros volumes, não estou de modo algum surpreso com o seu sucesso. Pois esses livros são todos eles um exercício em matéria de assombro. E o assombro é o veículo que transporta as fábulas” (Stern, Hamburg, 41/2000)
4. “Diário das Leis”, São Paulo, 2a. edição, 1982
5. “Frankfurter Rundschau”, 20-11-2000.
6. Título original: Harry Potter and the Philosopher´s Stone
7. Títulos originais respectivamente: Harry Potter and the Chamber of Secrets, Harry Potter and the Prisoner of Azkaban.
8. Cfr. Harry Potter und der Feuerkelch, pp. 667 ss.
9. No currículo escolar das escolas secundárias constam matérias como História, Geografia, Inglês, Matemática, Física etc. Porém, na Escola de Bruxaria de Hogwarts os jovens alunos cursam disciplinas tais como Ciência das Ervas, Criação de Seres Mágicos, Predições, Aritmântica, História da Feitiçaria, Aula de Transformação (em outros seres), Parsel, ou a habilidade de falar com cobras, Curso de Poções Mágicas (o qual se revela uma verdadeira “tortura”: “As aulas de Poções Mágicas eram sempre uma experiência horrível, porém agora transformaram-se numa verdadeira tortura. Estar durante uma hora e meia trancado num calabouço com o professor Snape…” idem, p. 310).
10. Idem, p. 314.
11. O crítico literário de fama internacional Harold Bloom, professor da Universidade de Yale, considera que Potter não é aconselhável para quem esteja interessado em literatura, e muito menos para crianças: “O livro é uma massa de clichês que não pode fazer nenhum bem às crianças. Tudo isso começou por causa de Stephen King, que é um autor horrível. Ele escreveu uma resenha dizendo que os leitores de Harry Potter, com 12, 13 anos, estariam prontos para ler os livros dele aos 16 ou 17. E esta é exatamente a verdade” (“Jornal do Brasil”, 3/2/2001). Stephen King escreve livros de horror pesado. Tanto seus livros quanto os de Rowling estariam desde há muito no Index Librorum Prohibitorum do antigo Santo Ofício (hoje Congregação para a Doutrina da Fé), caso ele ainda estivesse vigente.
12. Harry Potter and the Prisoner of Azkaban, Bloomsberry, London, 1999, pp. 93-94
13. Idem, p. 203
14. Idem, p. 365
15. Harry Potter e a Câmara Secreta, Rocco, Rio de Janeiro, 2000, p. 168
16. Idem, p. 181
17. Harry Potter und der Feuerkelchpp. 404-405.
18. Harry Potter e a Câmara Secreta, p. 100
19. Idem, pp. 116-117)
20. Harry Potter und der Feuerkelch, pp. 53-54
21. Harry Potter e a Câmara Secreta, pp. 91-92

Maravilhoso, o real e o horrendo na literatura infantil
Plinio Corrêa de Oliveira
As histórias, todos o sabem, são os primeiros contatos das crianças com a vida. Através delas, a inteligência infantil transpõe os limites do ambiente doméstico e apreende as noções iniciais sobre a sociedade humana, com as inúmeras diferenciações que comporta, as atrações que oferece, os deveres que impõe, as decepções que traz, e o jogo complicado das paixões nos altos e baixos desta grande luta que é a existência. “Militia est vita hominis super terram” [A vida do homem sobre a terra é uma luta], diz a Sagrada Escritura (Job 7,1). “Militia”, sim, em que uns lutam por seus interesses pessoais, legítimos ou ilegítimos, e outros lutam contra o mundo, contra o demônio, contra a carne, para a maior glória de Deus.
Daí haver importância essencial, para uma civilização católica, em proporcionar às crianças uma literatura profundamente e sadiamente religiosa. Não falamos apenas do curso de Catecismo e História Sagrada, que deve ser o centro de tudo, mas de histórias que fossem como que o comentário, o prolongamento, a aplicação do que a Religião ensina.
Isto, em termos de boa doutrina, é o normal. Quanto é evidente, porém, que a caudal da literatura infantil moderna está longe disto!
Desejando tratar hoje da literatura infantil nesta seção, que não é de crítica literária, fazemo-lo analisando algumas destas ilustrações.
Antes de tudo, uma composição de Walt Disney. É a Cinderela, que vai com seu Príncipe rumo ao castelo encantado. É o maravilhoso na literatura infantil.
Haveria restrições a fazer. Em princípio, o que se oferece à criança deve tender a amadurecê-la, sob pena de não ser inteiramente sadio. Alguma coisa no cocheiro, no lacaio, na estrutura do morro e dos edifícios dá idéia de coisa feita não só para crianças, mas por crianças. E isto se nota, embora menos claramente, nos outros elementos da cena.
Mas, feita esta reserva, como não elogiar o gosto, a delicadeza, a variedade desta composição? O maravilhoso, indispensável nos horizontes infantis como meio de apurar o senso artístico, elevar o espírito, abrir o descortinio, estimular sadiamente a imaginação, está aqui expresso com um tato e um gosto notáveis.
(Extraído da Revista Catolicismo )

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